quarta-feira, 31 de maio de 2017

Dica de dinâmica para explicar a virtude política dos gregos antigos



Continuando a explicar a civilização grega no que tange sua mentalidade e o espírito do povo, elegia como a missão de hoje entrar no mérito da polis. Como explicar a virtude política que animava o espírito grego sem ser enfadonho? Tive a ideia de uma dinâmica!

Nível 1: As pessoas se movimentariam aleatoriamente no salão e eu, munido com uma bolinha de plástico, atiraria nelas. Em quem a pessoa pegasse morreria. 

Cena 1: Um senhor tomou a mocinha que passava na sua frente e colocou-a como escudo a fim de se proteger da bolinha mortal. 

Nível 2: Se a pessoa conseguisse agarrar a bola com a mão sobreviveria.

Cena 2: Uma moça tentou pegar a bola que não era direcionada para ela a fim de salvar o companheiro que andava ao lado. 

Nível 3: Palavra de ordem: "Escolham pessoas que você gostaria de proteger. Esta é sua família. Desta família escolham um para ser herói. O herói será imune à bola. Não morrerá se for tocado por ela."

Cena 3: Cada herói tentou defender a sua família. Tínhamos, ao todo, cerca de cinco heróis. Em nenhum momento falei que não poderiam se unir. Aliás, desde o começo não mencionei que ninguém poderia se ajudar, formar alianças, engendrar estratégias. Pelo contrário, deixei bem claro: "Vocês fazem parte de uma mesma civilização, a dos gregos. Estamos em guerra e sou seu inimigo." Eu, sozinho, derrotei, ao final, toda a civilização grega, malgrado o esforço dos heróis que, separadamente, cada um a sua maneira, tentavam salvar suas famílias e apenas suas famílias. 

Uma heroína depois revelou que teve vontade de unir forças com outros heróis, mas desistiu da ideia. 

Pois bem, ninguém teve sentimento de polis. A polis era isso. Somos muitos (poli). Mas somos um (polis). Eu sou minha polis. Minha identidade está nela. O pior castigo que alguém poderia sofrer era ser expulso da polis (ostracismo). Era pior do que a morte. Ajudar a polis a crescer, seja participando das deliberações, seja cultivando sua terra e gerando filhos, era o ideal de uma vida cidadã bem sucedida. 

Essa é a chave de compreensão para o motivo de o lendário herói Odisseu ter rejeitado a sedutora proposta da imortalidade regada a amores da ninfa Calips. Pois a felicidade para ele era retornar ao seu reinado, onde envelheceria junto a Penélope, a rainha, e Telêmaco, seu filho, e morreria. Seu lugar era na polis!

Da mesma forma vamos compreender a fala de Aquiles, ao ser encontrado no mundo das sombras, onde vagam os fantasmas dos que viveram: "Não elogie a morte, Odisseu. Antes vivo, ainda que escravo." Pois estaria vivendo na polis

Por fim, Sólon, um dos sete sábios da Grécia, é questionado pelo poderoso rei Creso sobre quem seria o mais venturoso homem do mundo. Resposta improvável para Creso: "Telo de Atenas". Este era um senhor que gerou filhos e viu os netos crescerem. Já tendo a riqueza do suficiente, entrega-se a uma batalha para proteger Atenas, morre nela, e é velado com grande honra pelos seus. Qual a virtude de Telos? A vida na polis, pela polis

Foi o que quase ninguém, ao salão, teve na dinâmica. Cada um querendo se salvar, ninguém teve a virtude política de agir por todos, buscando a todos salvar, a quem fosse possível, estratégias de união em punho. Imagino que se, ao final, os heróis tivessem se postado como na figura que coloquei no começo deste texto, representando a formação de guerra dos hopilitas, soldados gregos, ninguém teria se ferido. Virtude política!

***

As reflexões que se seguiram falaram sobre o quanto de fato sentimos falta da nossa polis. O quanto nossas raízes são importantes, nos definem. O quanto, portanto, deveríamos dedicarmo-nos uns aos outros, proteger-nos. O quanto não fazer isso nos enfraquece, nos deixa pobres. 

É uma mensagem que, tranquilamente, poderíamos tirar das sabedorias judaico-cristãs, embora com fundamentos diferentes. Segundo o livro "A caminho da Luz", de Emmanuel, que estamos estudando, essa admirável concordância sobre virtudes entre diferentes povos não tem nada a surpreender, já que mostra apenas as mensagens que Jesus espalha para fazer florescer os homens na grandeza de cada civilização. O motivo da derrocada de cada povo é a invigilância para com estas virtudes. Foi o que aconteceu com a Grécia ao matar Sócrates, um dos homens mais virtuosamente políticos que já tiveram. Um assassinato que demonstrava a decrepitude da percepção sobre seus valores. 



segunda-feira, 29 de maio de 2017

Quando acontece o milagre?



Você já se sentiu submerso em um mar de forças contra as quais parecia inútil lutar? Forças que ou queriam esmagar sua cabeça ou a dos que você amava, magnanimamente superiores a qualquer um? Bem, um dos nomes delas é mundo.

Consideramos ridícula a tradição judaica-cristã por "inventar" um deus para salvar o homem. Um deus que se manifesta em imagens redutoras na matéria, mas cuja real natureza transcende qualquer noção deste mundo. 

A verdade é que qualquer pensamento que queira apontar alguma solução para a aventura humana terá de recorrer a este artifício: inventar um deus. Aqui é a causa revolucionária, ali é a ciência, mais além é a pátria, acolá é a autonomia, bem mais acolá é a mãe-terra. 

O mundo é tão vasto e tão incognoscível que temos de colocar marcos para qualquer horizonte fora de nós a fim de termos alguma noção para onde andar. Do contrário, paralisia. 

O sentimento do homem no deserto, após dias vagando, sem água, sem comida,  sem qualquer sinal de abrigo: parar e reconhecer a enormidade do mundo. Ajoelhar-se, quedar-se à areia. Submergir. Entregar-se à unidade com o solo. Parar de resistir.

É aí, quando as defesas do homem estão expostas, que o tema de Deus aparece com esplendor. Ao contrário do que imaginam os céticos, isso não demonstra as convulsões de um homem querendo viver. A verdade de Deus, Aquele que É, surge imponente quando a vida do homem já não é mais. 

"Deus está morto!", berrava Zaratustra anunciando a vida do homem. O contrário ainda é mais verdadeiro: O homem está morto, vede Deus vivo! A sarça, símbolo da sequidão, arde e não se consome, símbolo da perpétua morte que não se consuma, mas vive para sempre. 

Quando acontece o milagre, então? Quando o homem está pronto para recebê-lo? Não. Quando o homem está morto. Lázaro é o ápice do Evangelho. 

domingo, 28 de maio de 2017

Os 10 posts mais acessados do Blog



Há quatro anos eu lançava este blog sob o nome de "Por uma filosofia espírita". Espírita que sou e amante da filosofia como venho sendo, entendi que pudesse contribuir de algum modo para o engrandecimento de quem lesse.

O nome é "Por uma..." e não "A...", porque bem entendendo que o que escrevo é <<um>> tipo de pensamento. Tenho alguns propósitos particulares.

O maior deles, de onde busquei não me afastar, é tornar a coisa palpável, palatável, próxima do cotidiano das pessoas. Se exagerei em figuras de linguagem é que sempre caio na pobreza do meu verbo para expressar coisas do céu, coisas da terra que sobem ao céu, do céu que beijam a terra.

Tanto acertei em apostar no cotidiano, que aqui trago a prova. Os temas que mais foram acessados, mais palpáveis não poderiam ser: o consolo as mães e pais com crianças microcefálicas (+10.000 acessos), algumas relações levianas entre Nietzche e Espiritismo (+1000), algumas relações curiosas entre o anime Naruto e o Espiritismo (+1000). Dois outros temas me foram muito caros escrever: o do possível diálogo com um jovem pensando em suicídio, uma síntese de falas dispersas reais (+400), e um diálogo que tive com um amigo homossexual (+400). 


Dessa forma entrego a você o que nunca deixou de ser meu pensamento:

- Filosofia não é apenas um aprendizado seco de noções lógicas sobre conceitos abstratos. Ela prima por nos trazer serenidade, uma vida boa, o bom combate contras as angústias que a morte nos traz e uma maior paixão pela vida no que ela tem de apaixonante, uma maior piedade no que ela tem de miserável, uma maior vontade de mudar no que ela traz de liberdade.

"Por uma filosofia espírita" é um blog por um mundo melhor, acreditando em pessoas mais conscientes porque mais amorosas, e mais amorosas porque conscientes - do amor.

Ao final deste livretinho apresento-lhe o que venho sendo. Por ora, meus pensamentos.
Para começar a ler, acesse
 aqui.

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Estudos sobre Grécia Antiga no Centro Espírita



Estamos estudando, ao Lar Espírita Chico Xavier, o livro A caminho da luz, idealizado pelo Espírito Emmanuel. Cada mês dialogamos em roda sobre um determinado povo, conduzido por alguém que tenha mais afinidade de falar sobre ele. Neste mês, fiquei com gregos e romanos. 

Buscando alguma forma de abordar os gregos sem resvalar em uma narração monótona da história, decidi tentar fazer analogias entre a mentalidade daquele povo e a nossa. 

A primeira questão é sobre a importância das histórias para a formação do imaginário das pessoas. Toquei na era das mitologias. Todos nós temos alguma história que marcou nossa vida. Não precisa ter sido contada por pai e mãe. Pode ter sido por amiguinhos da escola, do bairro, primos, contos de assombração. Nelas podemos perceber lições de moral por trás, características dos heróis, da mocinha, do bandido que devem servir de exemplo. Era mais ou menos assim nas mitologias, com mais densidade e fervorosa crença. 

A história da "Ilíada e Odisséia" era contada nas casas, nas ruas, comentadas nas mesas de bar. Servia de norte para condutas cotidianas e até mesmo, reza a lenda, serviu para apaziguar a guerra entre duas cidades-estados. O que Odisseu (Ulisses) faria no meu lugar? 

Neste nosso primeiro encontro evoquei a característica de Odisseu de ser um herói cheio de peripécias, estratégias de combate e de se esquivar do perigo (polytropos). Pude assim relacionar esse tipo de personagem com vários outros heróis conhecidos por nós em histórias que nos são familiares, como a do João Grilo (Auto da Compadecida), Zé Carioca (Walt Disney), Calabar (Chico Buarque - aliás na obra de Chico Buarque os malandros ocupam lugar especial). 

Também falei sobre o quanto o sentimento de "um por todos e todos por um" era presente entre os reis. Os troianos raptaram Helena, então era como se tivessem raptado as rainhas de cada um. Por isso foram para guerra. 

Por fim, evocamos o costume da Zenia, que era a hospitalidade sagrada com que os habitantes das mais diversas ilhas gregas recebiam os desconhecidos que nela aportavam. Não por um sentimento de caridade, estrito senso, isso seria um raciocínio cristão, mas porque, na cultura politeísta e antropomórfica, não era de se admirar que um deus pudesse se vestir de homem para colocar os mortais à prova. É o que é demonstrado na solicitude com que o ilustre desconhecido Odisseu é recebido à ilha dos Feácios. 

Análise espírita-cristã


Perceba que respeitar alguém por ele poder ser um deus é algo que esconde uma verdade. É como se a mitologia tocasse de leve em um ponto profundo da ética humana maior. Em várias culturas parecemos encontrar formas míticas de justificar a hospitalidade a um estranho. 

Entre os judeus, cada um era considerado uma Torá viva, isto é, portador de uma mensagem de Deus no coração. Aquele que se fazia peregrino no deserto, merecia ser recebido nas casas por ter percorrido uma experiência que se tornara sagrada na história hebraica. 

Sobre homens esconderem alguma divindade em si, não seria a mesma imagem que sugere Jesus ao dizer aos seus discípulos que se a caridade fosse feita aos vulneráveis, a ele é que estariam fazendo?

Numa primeira instância, onde predomina no homem mais o medo da punição, a hospitalidade (zenia) pode ficar na superfície dos gestos. Aprofundando-se a sensibilidade moral, é de se esperar que realmente ascendamos a essa mística em que vemos em todos os seres, de fato, Deus.  

domingo, 21 de maio de 2017

Genética, Neurobioquímica e Reencarnação



A primeira vez que vi a notícia que um gene poderia estar relacionado com o vício da nicotina foi um baque para meus fundamentos reencarnacionistas. Desde então, fui em busca de entender como isso seria possível, se somos hoje o que fizemos de nós ontem. 

Deixe explicar melhor minha perplexidade. A reencarnação é uma doutrina que devolve para nós, definitivamente, a responsabilidade pela nossa salvação e pela construção do Reino de Deus na Terra. Revelando que nosso corpo é aqui o que forjamos nele ontem, também nos abre a perspectiva que este artesanato pode e deve se continuar ao infinito. Quando descubro que um gene, codificador de uma proteína, protagonista de algum mecanismo comportamental, é a causa primária de algum distúrbio, retiro do Espírito a responsabilidade do ato. Não posso ser culpado pelo que não fiz livremente. E é essa a grande tentação da doutrina das causas genéticas: o desaparecimento da culpa, causa de tantos remorsos, paralisantes da alma. 

Todavia - efeito colateral - se a culpa (que é o remorso do passado) desaparece, assim também a possibilidade de auto-cura. O reino dos genes, que parecia surgir como algo libertador, revela toda a sua fatalidade. As terapias, prevê-se, funcionarão pouco. Os medicamentos são o armamentário que resta. E ainda assim, a genética pode se revelar de tal modo determinante que os circuitos cerebrais se realinham para o formato que aquela ordena. É o que acontece na depressão, cujos medicamentos tem de quando em quando sofrer novo ajuste de dose para enfrentar a reacomodação das sinapses cerebrais que rumam para o retorno ao cérebro depressivo.  

É senso comum na psiquiatria que é melhor encarar a depressão, por exemplo, como uma realidade bioquímica do que ficar culpando o indivíduo pelo seu humor. Defendo, contudo, que podemos assumir a abominação da culpa sem tirar do indivíduo a esperança de ele mesmo se livrar do mal, ainda que com a ajuda dos medicamentos. Como?

Vamos começar por enxergar como funciona a interação corpo-espírito. Por que os genes, e o fluido neurobioquímico que ele codifica, são tão decisivos? O corpo é o reflexo de todas as experiências passadas do Espírito. Ligando-se este, célula a célula com o corpo, desde o momento da concepção, os genes funcionam como fulcros canalizadores do que se tornou identidade do ser que transmigra entre vidas. Veja, identidade

Para que algo seja tido como identidade, isto é, o que define a pessoa, é que experiências marcantes ou repetidas se imiscuíram em tal magnitude em sua forma de existir que passaram a ser tidas como atributo essencial. 

A concepção espírita enxerga o Espírito apenas com uma essência: a imagem de Deus. Tudo o que convergir para ela permanecerá. Todo o resto que contrariar esta essência é passageiro e cairá. Porém, por vezes o atributo dissonante está de tal forma incrustado na identidade espiritual que segue adiante pelas vidas afora. É dessa forma que poderemos encontrar no genoma de alguém os genes para quase tudo o que ele pode manifestar nesta vida. Desde as doenças mais materiais até as mais mentais. 

Temos de encarar os medicamentos como amparos bioquímicos que anulam temporariamente e de forma parcial a força do determinismo bioquímico patológico, mas nunca desconsiderando que a vontade do Espírito é a única que pode conduzir o mesmo para a cura. A cura, então, por esse ponto de vista, é o restabelecimento da essência espiritual no caminho do aprendizado evolutivo. É a superação de atributos disfuncionais rumo a assunção de outros que aproximem a imagem da criatura ao modelo do Criador. 

Não precisa ter culpa nesse processo. Não é da nossa alçada apontar dedos. Cada um tem sua labuta particular. Ajudar uns aos outros, se com amor, ainda melhor, disse Jesus. 

sábado, 20 de maio de 2017

Sobre neuroses: de onde vêm e como sair delas



Victor Frankl, psiquiatra criador da logoterapia e análise existencial, nos esclarece o seguinte ponto sobre a causa das psicoses: 

Assim como a maré vazante não é causada pelo recife que surge, a psicose também não é causada por um trauma psíquico, um complexo ou um conflito. 1 

E isso é válido desde a infância. É o que o psiquiatra vai denunciar no que concerne a racionalizações secundárias, isto é, uma racionalização forçada. O profissional imputa a causa à um evento que, na verdade, foi apenas um desencadeante, por vezes, nem suficiente nem necessário. 

Por exemplo, quem CAUSOU a psicose de alguém? O noivo que destruiu o relacionamento de anos? Se ele não tivesse destruído a psicose não teria surgido? O desinteresse dos pais pela criança? Se eles fossem interessados como deveria ser, o adolescente não teria desenvolvido a psicose? Em muitos casos a resposta para a associação causal é "não existe essa associação na magnitude de uma causa". Fala-se, então, de fatores de risco ou desencadeantes em uma personalidade pré-mórbida. E quem originou esse terreno mórbido?  

Atônitos os terapeutas buscam respostas. Resvalam frequentemente na imputação causal indevida. Onde estaria a causa primária do sofrimento psíquico nestes casos incertos? Todos querem encontrar o evento zero na história de vida, mas a verdade é que muitas vezes encontra-se perdido na própria constituição da pessoa. Tomando a imagem do barro de que foi feito o homem, alguma parte dele estava podre. Tomando a imagem da maré vazante acima citada, o problema está na fonte do rio, não no recife do meio do caminho. 

A ciência entende que pode ser assim: uma causa constitucional. Uma mutação, um gene defeituoso gerando uma vulnerabilidade: o barro podre. Os eventos traumáticos são estopins. A logoterapia revela uma instância superior às neuroses psicogêncicas, que são as noogênicas, relacionadas ao sentido da vida, a forma como o espírito se enxerga no contexto da existência. Neste caso, todos somos mais ou menos vulneráveis a esse desequilíbrio insuperável: o que sou (segundo o que concebo aqui e agora) e o que deveria ser (segundo certo sentido cósmico que vislumbro no horizonte). Quem consegue enfrentar essa angústia e sair ileso é um iluminado, por favor divulgue as dicas!

Tanto o Espiritismo quanto a concepção bíblica entendem que a causa verdadeiramente primária de nossas doenças da alma estão anteriores a qualquer ato desta vida.  A culpa não é do barro, que é perfeito, nem da forma humana, que é perfeita também, mas são produtos da ação humana no manuseio do próprio barro na busca de se auto-modelar. Quanto mais o homem se molda, tomando por modelo os vasos quebrados (vícios de toda ordem) que encontra ao seu redor, mais se deforma. Para a Bíblia, a origem do mal está na desobediência original, o que vale dizer, na vontade do homem de ter moldado sua vontade segundo os silvos da cobra e não segundo o canto do Criador. Para o Espiritismo, de fato a responsabilidade está em nossos atos que conduzem a formação de nosso corpo por vidas sucessivas, e, no fundo, tudo guarda um parentesco com a desobediência à vontade do Pai, pois quis que fôssemos luz, e várias vezes escolhemos trevas que passaram a nublar vastas extensões do caminho adiante.  

A perspectiva espíritico-bíblica é menos pesada que a genética. Até que consigamos desenvolver uma tecnologia que modifique os genes causadores do mal, devemos nos valer das medicações, das quais vez ou outra escapam os casos graves gerando histórias de sofrimento inenarráveis, contando com o desespero da inutilidade da própria vontade sobre os determinismos orgânicos. Para a Bíblia cristã, a cura está em Jesus, o modelo redimido da humanidade, em cujo seio, entregando-se a ele, pode acontecer a salvação do homem. Para o Espiritismo, a cura está no próprio homem, todavia seguindo religiosamente as orientações do Cristo, modelo perfeito de homem. Mirando-se nEle poderemos enfim nos auto-moldar rumo à saúde espiritual. 

É necessário, todavia, e nisso concordam logoterapia, Bíblia e espiritismo, que o homem se entenda portador da capacidade de se auto-transcender, rejeitando a mentira da fatalidade, alcançando o distanciamento necessário dos seus círculos de neurose em que se vê agrilhoado, a fim de ascender para atos mais livre e sãos que o permitam se reengajar no sentido da vida.  

domingo, 14 de maio de 2017

Obsessão: como escapar



[Após exposição sobre o tema "Obsessão, o que é e como escapar"]

PREMISSA: Obsessão é a influência maligna e insistente de um Espírito, costumeiramente desencarnado, sobre uma pessoa, seus pensamentos, podendo acontecer uma gradação de domínios sobre os atos do indivíduo.

PERGUNTA DA OUVINTE: "Como identificar que uma pessoa tem obsessão e como ajudar esta pessoa?"

RESPOSTA: Há vários graus de obsessão e podemos dividi-las em três tipos especiais.

  • A obsessão simples: o indivíduo ainda tem aquela consciência de que os pensamentos sugeridos são intrusos. 
  • A obsessão de subjugação: há esse sentimento de intrusão, mas o controle sobre os atos se perde. 
  • A obsessão de fascinação: o sentimento de intrusão se perde, pois a sugestão do Espírito se imiscui em pensamentos mais íntimos, provocando como que uma subjugação hipnótica que faz com que você se torne fantoche dele sem se dar conta. 


Os sintomas mais patentes da obsessão são estes sentimentos de intrusão. Em médiuns, aparecem vozes persistentes, visões perturbadoras e repetitivas, o domínio dos motivos de fala e escrita por um só enredo. 

Antes de saber quando ajudar, é preciso saber se há necessidade de oferecer ajuda. Pois pode-se cair no problema maior da psiquiatria: estaria eu tratando uma pessoa normal? Como saber se esse comportamento não passa de uma singularidade do Espírito? Há a dica de um velho professor meu que pedia para nos atentar para os quatro Ds:

  • Dor (para si ou para os outros)
  • Disfunção (cotidiana, laboral, conjugal) 
  • Dissociação (desligamento da consciência ou assunção de outro estado de consciência reativo a evento traumático)
  • Desrealização (sentimento de estranheza em relação ao mundo)

Esses Ds são os mais icônicos. Há uma infinidade de sintomas psicopatológicos, mas que findam por evidenciar algum grau destes Ds. Todos eles denotam algum grau de sofrimento psíquico. Claro que a cultura pode exacerbar ou amenizar estes sentimentos. O preconceito contra um médium pode causar dor para a família, para o médium, deixá-lo disfuncional, fazê-lo sentir-se dissociando e desrealizando, quando os fenômenos que experiencia não passam de alterações parapsíquicas. É essa brecha que o obsessor precisa para atacá-lo, reforçando todos os sentimentos negativos que vem cultivando no coração angustiado. 

Às vezes é clara a obsessão espiritual, outras vezes pode não passar de um julgamento precipitado segundo os nossos preconceitos. Não raras vezes, aquele que quer ajudar os outros é o maior obsediado!

O maior antídoto para a obsessão é a abertura à crítica e... (merece uma pausa estratégica)... o Evangelho! Devemos nos submeter diariamente à sabedoria do Evangelho, para que ele nos critique e nos aponte os caminhos de crescimento. 

Não há como negar: nossa civilização é cristã. Cada civilização foi gerada em cima de uma sabedoria. A nossa, é a de Cristo. Há outros luminares da história. Pode-se se apegar a eles. O que não dá é sair por aí tentando ser "o gostosão", "o sabichão", "o portador da verdade original" acima desses caras "desatualizados". As falas de cristos e budas não são itens da esteira de atualização das ciências modernas, são obras-primas do divino.  

Visitei um templo budista em que os monges todas os dias acordavam para ir ao templo desatar um dos escritos de Buda e passar a manhã meditando sobre uma frase dele. Os espíritas deram por fazer isso com o Evangelho segundo o Espiritismo, e, em família, implementar o culto do Evangelho no Lar, momento singular de meditação grupal. 

Quer ajudar? Primeiro veja, diariamente, se não é você que está precisando de ajuda. Permita que Jesus lave seus pés. Fortaleça-se com o estudo contínuo. Encha seus conhecimentos com práticas de caridade, para que, quando as palavras de conselho e consolo saiam de sua boca, venham recheadas de autoridade moral, sem pedantismo. 

Você tem certeza que a pessoa que você quer bem está obsediada? Escute mais do que fale a princípio. Nenhuma obsessão se instala sobre o nada, mas sim sobre uma história. Todo obsessor quer ser ouvido através de seu obsediado. Lembre que o mal é um bem se partejando com grande sofrimento. Como todo bom parteiro, mais vale estar presente, prestes, à postos como amigo, do que ativamente interferindo no processo de entendimento dos implicados. Não há vítimas e carrascos nestes processos, porém aprendizes das lições do amor.  

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Sobre Sense8



Demorei para falar sobre esta série porque até então me parecia que eles tocavam em apenas um ponto isolado dessa realidade que acredito: todos conectados. Dando apenas uma explicação evolutivo-adaptativa para isso. Mas, nesta segunda temporada, os Wachowski me pegaram.

Dia desses estava comendo uma pizza e lembrei que há meses um amigo havia me pedido o telefone de um médico. Disse que procuraria e perdi da memória. Retomei, de súbito, a promessa e, ainda mais de súbito, o celular toca. Era ele cobrando o número do especialista. 1. Eu lembrei. 2. Ele ligou. Nessa ordem. 

O Sense8 fala de um mundo em que é possível a conexão entre indivíduos sem palavras. Essa conexão não é espiritual. É sentida na carne. Não é inteligível, como costumam dizer os platônicos, é sensível. E os irmãos Wachowski fazem questão de deixar essa sensibilidade bem clara em muitas cenas. 

Nesta segunda temporada, deram para extrapolar a coisa toda e chegar na imortalidade das... memórias. Eles chegam a acariciar a memória de uma menina, que é a filha morta de uma mãe. Por Deus! Acariciar uma memória!

Acredito que muitas pessoas estão se identificando com o desnudamento das interconexões dessa série. Fico feliz. Prepara cada vez mais as pessoas para o mundo vindouro que já está aqui. 

Herculano Pires falava que éramos seres interexistentes. Era como se nossa mente flutuasse entre dois planos: o do leme que guiamos e o do mar que nos balança. 

No final da infância, começo da adolescência, sozinho na escola nova, onde todos menosprezavam o gordinho, subia a escadaria do ginásio e me tomava a conversar com o que dei para entender ser meu anjo-da-guarda. Charles era o seu nome. Quando ao Colégio Militar, em plena puberdade, a primavera dos amores aflorava nos sentidos, assim como o inverno da angústia de me entender no mundo. Entre amizades que se criavam e paixões choradas à sombra, escrevia em papéis perguntas sobre minhas emoções confusas a fim de que outros tomassem o papel, que tinha sob a mão, com respostas. Foram diálogos calorosos. Nunca estava sozinho. 

Perto do vestibular, conheci uma moça que tranquilamente esculpia a cura do câncer no próprio corpo. Avançado que ele estava, restou a ela falecer. Já à faculdade, estudando indigestos livros de anatomia, de súbito, recordo-me dela. Entendo que se tratava de uma visita. Fecho os olhos, desdobro a alma em prece e acaricio a memória dela. 

Hoje, tenho comigo pessoas que convergiram de zonas tão inesperadas para (re)unirem-se num grupo a que chamamos de "família espiritual". 

Nós estamos aqui. Nossos clusters se multiplicam aos milhares. Qual o seu? Por que não experienciamos essa conexão com tanta intensidade?

Ao interior do Ceará, um amigo me convidou para aprender algumas primeiras noções de astronomia. 

- Aqui é o melhor lugar para vermos as estrelas. Longe das luzes da cidade. Devemos esperar um pouco para os olhos se acostumarem com a noite. Apenas, então, será possível entrever aqueles brilhos que são mais tímidos. E quiçá, a sutil poeira das nebulosas. 

De fato, amigo! Por uma vida com menos luzes e mais nebulosas. 

terça-feira, 9 de maio de 2017

Por que o livre-arbítrio seria tão importante assim para Deus?



Pergunta de um leitor: "Por que o livre-arbítrio seria tão importante assim para Deus?". Acho mais fácil responder seguindo outra perspectiva: "Por que o livre-arbítrio é tão importante para nós ao ponto de tornarmos ele sagrado?". 

Tem autores que dizem ser o livre-arbítrio uma ilusão, vide Espinoza, e todos os que seguem a esteira do determinismo espinosista. Há a outra ala que diz que não. Aliás, que o livre-arbítrio seria mesmo a única coisa que nos faz humanos, para além da inteligência ou da linguagem. Assim vemos Rousseau, entre os mais modernos, e Kant, de um jeito muito especial. 

O fato é que a ideia, no Ocidente, de sermos essencialmente livres é uma ideia judaico-cristã. Se pararmos para ver a forma como a mitologia grega encara as profecias, e a forma como são encaradas pela Bíblia, veremos que lá os vaticínios são certos e implacáveis, já aqui, as falas dos profetas não são anúncios de uma fatalidade, mas orientações de um Pai que quer ver seus filhos voltarem ao caminho certo. Dessa forma, a visão do futuro não esmaga aqueles que estão nela, mas oferece alternativas de escapar daquele destino. Apenas se escapa de um destino se ele não está determinado. Se, pois, temos possibilidade de escapar dele, isto é, liberdade. 

Nenhuma pergunta que seja no molde de "por que isso é tão assim para Deus" pode ser respondida. Seria eu atestar conhecimento do que se passa na cabeça do Absoluto. O que podemos fazer é pensar porque um atributo humano foi tido como tão especial ao ponto de ser mesmo elevado a categoria de divino. 

Para a tradição judaico-cristã, Deus espera, agindo ativamente, o momento em que seus filhos <<escolherão>> voltar ao mundo que Deus fez e "viu que era bom". E não este cheio de dissonâncias provocadas pela má escolha. Aliás, perceba que mesmo este mundo, para a Bíblia, é fruto de uma liberdade radical no seio da criação. Aqui é fruto de uma escolha, de uma má escolha, mas de uma escolha de todo modo. Pela escolha nos distanciamos de Deus, pela escolha voltaremos. 

O que fiz até agora é mostrar o quanto o pensamento bíblico gravita em torno da tipologia de homens livres. Liberdade, fraternidade e igualdade está longe de ser uma temática moderna. 

Fora dessas narrativas sagradas, o ponto é saber se somos determinados ou não por o que quer que seja: do inconsciente à infraestrutura econômica, dos deuses aos motores de um materialismo dialético. A questão na filosofia está longe de estar encerrada, e não há o que fazer a não ser escolher um partido e argumentar a seu favor. 

Eu sou dos que vêem o homem como um ser livre, embora seus movimentos, vira e mexe, findarão no horizonte de Deus. Mas, a caminhada é tanta daqui pra lá que haja espaço para se movimentar. 

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Desistir da religião pela incoerência da igreja



Vi vários amigos se distanciarem da religião porque encontrou incoerência nos atos dos indivíduos que compunham a igreja. Isso é compreensível, mas é questionável. 

A ideia é que parece frustrante, para aquele que está se dedicando de corpo e alma para uma religião, que o corpo das pessoas que lhe são referência destoem da alma da doutrina. Em outras palavras, que os discursos estejam separados das ações. 

No cristianismo, contudo, isso é o mais fácil de se compreender. O único verbo que se fez ação (carne), na substância mesma dele, foi Jesus. Todos os outros seguidores, podendo apenas imitá-lo, claro que saem com déficit. Ainda que cheguem a não serem mais eles que vivam, mas o Cristo que viva neles, até lá, muito erro escorre pela sua história de vida. 

Por outro lado, de uma forma geral, a religião dita um conjunto de normas morais que se impõe sobre o indivíduo, provocando neles uma tensão que os conduz a serem mais do que são, ou, se não se tem essa visão de evolução, serem diferentes do que são, homens e mulheres novos.  

É normal que não se consiga ser o que se diz que se deva ser! Não é por isso que se deva parar de pregar os deveres morais. Claro que o testemunho das palavras em atos vale mais do que mil palavras, mas, esse é outro nível.

Perceba que há outro porém nessa história toda. A questão dos deveres morais é ainda mais complexa e bonita do que se pensa. Os deveres morais são sempre algo que escapa do particular, do indivíduo, e aponta para o universal. É o que poderia ser universalmente válido, caso pudéssemos replicá-los nos mais diversos atos. É, também, uma atitude possível, isto é, está dentro das minhas possibilidades. Então, é um dever possível. Todavia, querer que eu - indivíduo particular - seja um sujeito moral universal é, no mínimo, querer esgarçar os limites do espírito. Que o particular coincida com o universal em alguns momentos, não é difícil de vislumbrar. Que o particular se torne universal, é um contra-senso, ou melhor, seria um milagre. É o que, no cristianismo se chamou de santificação, e o que, em alguns casos, valeu estigmatizações. Isto é, no caminho de imitar Cristo não há como não findar em crucificação, no limite.

O desafio colocado pela religião cristã - não tenho tanta propriedade para fazer uma análise nessa profundidade das outras - é o da experiência do absoluto por seres relativos, é o da participação da eternidade por seres limitados. 

É um desafio impossível? Nós, humanos, já demos prova de tantas conquistas impossíveis. É um desafio louvável! 

Não deu certo? Retoma a caminhada e continua. Numa procissão, alguns ficarem para trás não significa que não devamos seguir em frente.  

sábado, 6 de maio de 2017

Criando o podcast desse blog

Espírita, médico, professor, vou estudando sobre cultura geral que me permite melhor entender o mundo e quem sou. Filosofia, arte, literatura, teologia, ciência. Esse podcast é minha partilha ao círculo de amigos que se interessarem sobre as descobertas que vou tendo nessa caminhada. Numa era onde tudo é compartilhado, compartilho, pois.