sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Os poetas e a mediunidade



Na Grécia Antiga, particularmente na era Homérica, os poetas eram tidos como intermediários dos deuses. Vá ver como começa Odisséia! É Homero dizendo ao ouvinte, com toda a clareza, que aquela história lhe foi ditada por uma divindade. 

Que isso seja a pretensão de Homero é uma coisa, mas daí a ser uma crença de toda a sociedade é outra. Mas, era de fato. Mesmo Platão, cujos textos são tidos por nós Modernos como sendo o berço da filosofia ocidental (no sentido lógico-dedutivo, escapando das gangas místicas de Pitágoras), havendo quem o diga que todo o resto do que conseguimos pensar são comentários à obra de Platão, pois este senhor tem plena convicção de que os deuses se utilizavam dos poetas. Dá mesmo argumentações (em Ion e em a Apologia de Sócrates) para tanto:

1. Se a obra fosse dele haveria de ter tido um esforço anterior para que elaborasse a obra, um estudo, uma técnica aprendida. Todavia, constantemente se verifica que isto inexiste, e essas poesias surgem como que "do nada", sendo que são "dos deuses". 
2. Se fosse dele saberia a interpretação profunda do que há ali e, no entanto, em boa parte das vezes sua interpretação é rasa sobre o que acabara de escrever. 

Como intermediário de deuses, portanto, eram tido os grandes escritores das tragédias que traduziam em arte, a influir terrivelmente sobre as almas das pessoas, toda a tradição lendária que constituía o sistema de crenças daquele lugar.

É incrível a semelhança que há dessa forma de enxergar os poetas daquela Grécia com a que enxergamos nosso mineiro Chico Xavier. Com seus romances ele (leia-se: os Espíritos) traduziu grande parte  do sistema de crenças fundadas pelos livros da codificação kardequiana em narrativas que ilustram o imaginário espírita brasileiro. Com a ressalva de que são Espíritos que nos ditam, assim os enxergamos, e não mais deuses, isto é, são pessoas que morreram e que voltam com alguma sabedoria para nos contar e não entidades que portam a sabedoria desde sempre. 

Cabe para futuros estudos vermos o quanto a teoria sobre a boa arte em Plantão vai ao encontro do que imaginamos ser uma boa arte no Espiritismo, haja vista, aquela que faz bem à alma, que a incita a imitar os sentimentos nobres, previne a decadência, etc. 

Estes e outros comentários estão embasados na excelente obra de Carole Talon-Hugon: L'antiquité grecque: une histoire personnelle et philosophique des arts. 

Outros estudos que ficam a espera é como eram tido os poetas para a civilização hebraica, que são o povo de O Livro que é um dos tripés do nosso ocidente. Esse povo construiu-se e se manteve firme nas diásporas por causa das histórias que se perpetuavam entre si contadas em páginas sagradas. Por Deus, o que eles consideravam arte? Haveria essa ideia de intermediação entre Deus e o escrevente? Tudo o que já li me leva a crer que sim, mas fico devendo fonte bibliográfica mais robusta para lhes confirmar. 

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O que temos a comemorar no natal de Jesus



O que nos incita alegria no natal de Jesus?

Estamos diante de uma família pobre, de uma cidade pequena, que teve de enfrentar peregrinação em plena gravidez e que só consegue guarida para dar à luz o menino, no escuro da noite, na imundície de uma estrebaria. Após o seu nascimento, quando a carne da criança ainda se ressente do frio, enfrenta a travessia de um deserto para se esconder de quem lhe queria morto. Enquanto seus pais fogem para lhe manter vivo, um rio de sangue escorre das terras em que acabara de nascer, alimentado pelas veias abertas de mil crianças de infância precoce. As lâminas almejavam que uma delas fosse Jesus. 

Até aqui, nada a comemorar. 

O que festejamos? 

O anúncio de que um ser divino pousaria na carne já tanto sofrida desses achaques autorizados por governantes cruéis. 

A surpresa de ver a esperança de salvação nascendo de onde menos se imaginava que viesse. Uma cidade marginal, uma família desconhecida, de um carpinteiro qualquer. 

A resistência de não fenecer diante da voracidade do mundo dos homens que há muito mastigava os seres humanos com seus dentes ferinos.

A manifestação de anjos entre nós: anunciando a gravidez improvável de Isabel, calando Zacarias, dizendo o nome do menino à Maria, acalmando José, guiando os magos, enganando Herodes,  não cansando de entrar nos sonhos destes personagens para dar nortes e providenciar a sobrevida de Jesus pequenino.  

Festejamos, então, Deus conosco, anunciando a resposta das preces na figura de uma criança que traz libertação, surpreendendo-nos com a forma que responde aos nossos apelos, concedendo resistência para que sua promessa viva não feneça no mal, provocando mensagens que transpassam o abismo que separa os mundos - daqueles que ainda estão na matéria, daqueles que não estão. 

Feliz Natal!

domingo, 13 de dezembro de 2015

Microcefalia segundo o espiritismo (parte 4 - outros diálogos)



1. Um leitor amigo dialoga sobre a teoria da reencarnação como um fenômeno coletivo

LEITOR: Uma coisa interessante que teve nesse teu texto e que considero um aprendizado novo pra mim é o reflexo das ações humanas como sociedade mais do que como pequeno núcleo. Sempre pensava em encarnação como evolução individual e ajudar na evolução dos próximos, mas é interessante pensar que Espíritos também podem reencarnar "em resposta" a um contexto mais global. Não sei se entendi direito essa parte. Tem alguma coisa muito errada com a interpretação?

EU: É isso mesmo! Tá certo! Uma malha muito fina conecta global e individual. Se os governantes entendessem que a geração futura que eles devem proteger são eles mesmos (todos os que eles amam e toda a nação que eles governam) reencarnados, acho que teria um pouco mais de esforço.

LEITOR: Fiquei em dúvida em uma parte do seu texto. Tô relendo aqui e lembrei de perguntar. Você fala que Espíritos carregados de escolhas ruins tem seu perispírito afetado e que isso afeta a formação do corpo físico. Um parágrafo depois, tu fala que grandes almas "escolhem" corpos frágeis. Não é confuso?

EU: São dois caminhos possíveis para que tenhamos em mente que aquele ser pode ser algum endividado ou uma grande alma. Não tem como saber. Quando é uma grande alma, ela escolhe moldar seu corpo com limitações. É uma liberdade. Quando é um ser endividado, ele não tem escolha, ele não tem elementos para fazer uma embriogênese melhor do que aquela. Por que um Dalai Lama escolheria vir em um corpo débil? Para crescer com o exercício que todos aqueles obstáculos tem a lhe proporcionar. Seria uma encarnação de grande meditação rumo a uma iluminação sem precedentes!

LEITOR: Entendi. A gente já tinha conversado sobre isso. Sobre essa opção por corpos mais frágeis.

EU: Às vezes você percebe isso assim: a grande alma é um bebê tranquilo com tudo apesar das malformações. O indivíduo que está preso nas próprias limitações se revolta demais.

LEITOR: É que ficou um pouco confuso no texto. E no fim tu terminou só com o lado de "castigo". Sei lá...

EU: Porque as grandes almas são as que nos acolhem. Acabamos sentindo-nos muito bem ao lado delas. As mensagens de força são importantes para aqueles que receberão as que estão em situação de "castigo". Mas vou tentar melhorar lá. Valeu pelas considerações!

* Em vez de tentar melhorar no texto original, decidi expor esse diálogo elucidativo para que vocês tirem suas próprias conclusões. 


2. Uma leitora amiga me questiona uma hora como médico, outra como espírita e pai

LEITORA compartilha um áudio de pediatras espelhando mensagens sobre a possível ligação entre a doença do Zica e a agressão ao sistema neurológico de crianças na primeira infância. 

Após procurar artigos e conversar com infectologistas amigos, respondo:

- Não se pode afirmar nada ainda sobre isso, pois não há coorte de pacientes acometidos para se estabelecer uma inferência causal forte o suficiente.

A LEITORA insiste e muda a perspectiva da pergunta: 


- Agora faço uma pergunta para o pai Allan: ainda que nāo se possa estabelecer uma inferência causal forte o suficiente, essa hipótese te faz modificar a conduta de cuidados com teu filhinho? Essa possibilidade te amedronta? 

Resposta do Allan pai e espírita:
- Me amedronta. Estou mais perto dele e amando-o mais. Para que nestes momentos em que ele não foi acomeitdo por essa onda fique bem forte nele gravado o quanto nós o amamos. Para que seja importante para ele enfrentar o que pode vir por aí em sua jornada encarnatória! Temos que ter mais do que nunca em mente que o mundo tem rédeas e estão mas mãos de Jesus.

sábado, 5 de dezembro de 2015

Microcefalia segundo o espiritismo (parte 3 - mensagem de consolo)



“O que dizer para uma mãe que descobre que seu filho tem microcefalia e se pergunta o porquê de tudo isso?”


Antes de tudo, importa esclarecer para qual mãe eu diria o que diria. Uma mãe que se pergunta pode procurar as respostas em muitos lugares... Então, de princípio, eu jamais me dirigiria a uma ou várias mães para falar do Espiritismo a menos que elas se mostrassem dispostas a tal; seria uma ofensa, num momento de fragilidade, despejar crenças estranhas a elas. Portanto, apenas diria qualquer coisa diretamente ligada ao Espiritismo caso fosse uma vontade da mãe conhecer mais sobre o assunto, por respeito a ela e sua dor. Com um último adendo: incluo o pai também. Resquícios infelizes ainda nos prendem a uma responsabilidade diminuída do sexo masculino, a qual acho importante refutar e recolocar. O pai responsável ama e sofre como a mãe; junto com ela.

Nesse caso, antes de tudo eu lembraria Deus. Traço comum das religiões, a simples lembrança que temos um Pai amoroso que nunca se descuida de nós tem potencial altamente consolador. A certeza de que alguém olha por nós, velando por todos os nossos passos e cuidando de nossas dores mais ocultas oferece a promessa de uma tranquilidade segura. Não esquecer nem se distanciar de Deus é o primeiro passo.

Contudo, alguém que procura o Espiritismo sabe que isso não basta... Sua alma anseia por mais. Por uma fé com embasamento. Por que eu? Por que meu filho? A Justiça Divina, para ser efetiva, precisa abarcar mais que essa vida. Logo, recorremos a reencarnação. A ciência de que vivemos inúmeras vezes, colhendo e plantando, sucessivamente, abre caminho para novas reflexões. Não sabemos exatamente a razão, mas entendemos os mecanismos.

Mas ainda não é o suficiente saber da sucessão das vidas. Milênios da Lei de Talião impregnados em nossas sociedades dirigem imediatamente o pensamento à culpa do erro castigado. Sinônimo de punição? Não. Não é o que consolará uma mãe, um pai. Será necessário participa-los da grandeza Divina. Deus não é mero punidor, que nos faz “pagar” os erros em moeda de sofrimento. Reencarnação, provas e expiações são apenas os meios de um fim: o aprendizado, o alcance da perfeição, o conhecimento de si mesmo e a ação regida pelas Leis Naturais. Sob esse novo panorama, não sabemos se punição, se consequência, se missão; sabemos apenas que, seja o que tenha sido, o véu nos foi estendido para que nos concentremos no que há a fazer, em vez de estarmos atados improdutivamente ao que foi. É a melhor oportunidade que nos cabe, oferecida segundo a misericórdia do Pai. Novo recomeço. Chance renovada de se fazer melhor que o ontem. Redenção pelo amor. Eis a tarefa.

E... o que fazer, de fato, de posse desse novo olhar? Amar. As dificuldades que se apresentarem, que oferecerem resistência à ideia do amor são exatamente o que deve ser combatido em nós mesmos. Como todo véu, sob a luz adequada é possível ver vultos por trás do ocultamento; cada mancha que se revele contra a luz é sinal de luta passada ainda por vencer. Orgulho, vergonha da sociedade, medo de falhar, dificuldades materiais... Tudo aponta para o que já fomos e o que precisamos vir a ser.

Conscientes da verdade de que o Senhor da Vida olha por nós, que não nos desampara, que oferece a redenção pela justiça através das melhores oportunidades, segundo a nossa semeadura, o caminho está traçado. Não poupará levianamente das dores nem das lutas. Mas provará, diariamente, que o alcance da felicidade só depende de nós. Na perseverança por agir no bem e na sabedoria do olhar consciente que lançamos à nossa própria condição. Munidos da fé raciocinada, da esperança no futuro e tendo a caridade como força motriz, inevitavelmente venceremos, em paz.

Por Erick Machado

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Microcefalia segundo o espiritismo (parte 2 - resposta)

O correligionário Erick Machado comentou sobre o texto que eu havia escrito sobre o tema a fim de deixar os posicionamentos mais sãos. 

Então, vejamos o texto de Erick:

(Meus comentários entre parênteses).

A tese das expiações evolutivas ou das dores do parto


O surto não acomete “populações inteiras”. A prevalência da microcefalia, mesmo em surto 20 vezes maior que o comum, não chega a 1 em 1000 nascimentos no país. Para se ter uma ideia, a Síndrome de Down tem incidência de 1 a cada 800. E não é um surto pontual. Isso para não falar em todas as outras condições que afetam as crianças. A associação desses nascimentos a um suposto tempo que se finda é quimérica, falaciosa. As guerras já foram mais constantes, as corrupções, a violência, a injustiça de leis parciais, tudo já foi pior. Avançamos. Lentamente, mas avançamos. Conforme diz sabiamente “A Gênese”, não se darão abalos físicos como sinal dos tempos, mas unicamente morais. A microcefalia é uma questão de ordem física e, portanto, não pode ser vista, sob a ótica espírita, como nenhum tipo de sinal. É apenas o reflexo da nossa falta de cuidado físico com um vetor de transmissão de outras doenças, vetor que não combatemos adequadamente.


  • (A Vigilância Epidemiológica do Ceará se alarma exatamente porque há um aumento da incidência de microcefalia sem precedentes na coorte histórica dos últimos anos, e, segundo BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO MICROCEFALIA de 30 de novembro de 2015 já existem casos em torno de 14 estados do Brasil, a maioria esmagadora no Nordeste. Acredito que isso justifica a utilização do termo "populações inteiras", ao menos como metonímia). 


  • (Sobre avançarmos lentamente, Kardec também coloca que há abalos súbitos que devastam toda uma forma de pensar, substituindo-a. De qualquer forma, Erick nos lembrou um texto magnífico do codificador presente em seu último livro "A Gênese", cuja profundidade não tenho como discutir aqui, mas que vale a pena ser lido: "São chegados os tempos". De todo modo, gostaria de me afastar da atitude de conceituar o surto da microcefalia em nossos recém-nascidos um sinal, mas uma situação de catástrofe que merece a preparação de nossos corações) 


Sobre o caráter dos Espíritos envolvidos


As condições do corpo nada mais são que as condições melhores para cumprimento de suas necessidades de crescimento na Terra. Como parcialmente levantado no texto, podem ser provas de Espíritos comuns, podem ser expiações de Espíritos maus, podem ser missões de Espíritos elevados, pode ser uma prova para os pais, mais que para o próprio. Notemos que, nessa condição, o Espírito estará privado de muitas escolhas morais que poderiam concorrer para o seu adiantamento, se tivessem maiores possibilidades. São inúmeros os caminhos. Nada se pode dizer quanto ao caráter de um Espírito baseado na dificuldade de sua condição material, de modo que os casos de microcefalia são exatamente iguais a qualquer outro nascimento em qualquer corpo: nada se pode afirmar sobre o Espírito reencarnante.

  • (Aqui Erick quis enfatizar que não devemos nos preocupar com o que a criança pode ter sido em outras vidas - são infinitas as possibilidades explicativas dessa forma de existir. Essa sua precaução nos ajuda muito a não cair no erro de julgar o ser humano que sofre em corpo malformado como sendo merecedor ou não desse mal. Precisamos, independente de passados, lhe oferecer abrigo e fortes braços que o sustentem agora.)  

Ademais, não existe “fragilidade” do perispírito. Existe a fragilidade ou força do Espírito, sobre a qual, insisto, o corpo nada diz. Se o corpo nada diz, dissertar sobre o caráter dos Espíritos e a microcefalia é dissertação vazia de significado.

  • (Talvez, de fato, não valha a pena insistir na especulação do passado analisando o corpo destas crianças microcefálicas. Mas, creio existir uma arqueologia da imortalidade esculpida em nosso corpo. Não entendo porque isso seria vazio de significado. Nos oferece mil nortes para encararmos a solidariedade das vidas sucessivas). 


Sobre a "culpa" da natureza


Não está conforme a visão espírita pensar que as catástrofes naturais possam refletir o estado de espírito dos homens e mulheres. Não existe base alguma na Doutrina Espírita para falar em “bolsões de miasmas”. O que repercute no mundo físico é a nossa ação física e as leis naturais. Nenhuma delas diz que podemos, por efeito de nossos pensamentos, atrair vírus e mosquitos para infectar populações. A nossa imprevidência no campo físico deu origem a essa possibilidade, e Espíritos reencarnantes que julgaram ou foram julgados como adequados para ocupar esses corpos se aproveitaram da oportunidade ensejada. Nada mais.


  • ("Bolsões de miasmas" soou estranho, não é? Deixo essa expressão em suspenso porque participa de um contexto de explicação de uma medicina antiga que a medicina moderna entende ter derrotado, mas que não estou tão certo de ter conseguido. Quando Erick diz que "o que repercute no mundo físico é a nossa ação física e as leis naturais" me parece desconsiderar completamente a ação, por exemplo, da prece que pode chegar até mesmo a curar doenças, acalmar fúrias à distância, enxugar lágrimas escondidas. A prece é uma ação simples cujo poder me faz crer que o mundo físico não é tão imune assim à ação de nossos pensamentos. Não vejo porque a influência de nossos pensamentos sobre a materialidade do mundo não possa ser também uma lei natural.)


A missão do Brasil


A corrente de pensamento de um Brasil missionário carece de fundamentações mínimas. Suas descrições entram em franco desacordo com o que se conhece acerca de Jesus pela ótica espírita, mostrando um ser eventualmente dolorido e amargurado, distante das descrições dos Espíritos Puros. Mostram um governador do planeta que desconhece o território pelo qual é responsável. O Brasil não é o melhor nem pior país. Não é o mais adiantado nem o mais atrasado. Não é o mais moralizado, nem o mais deturpado. Tem avanços e atrasos como qualquer outro. Nada há de especial no Brasil que possa distingui-lo como merecedor de qualquer missão mais especial que os demais. Há aqui corrupção moral o suficiente para ocupar nossas crianças, embora os países e os mundos sejam solidários na reencarnação dos Espíritos. Não há nada aqui que possa ser de mais valia a esses espíritos que não haja em outras terras, até mais abundantemente.

  • (Então, eis um contra-ponto de um estudioso da Doutrina Espírita sobre a questão do Brasil missionário. De todo modo, se o Brasil em si não guarda qualquer missão, nós o fazemos, cada um tendo que contribuir para o melhoramento do mundo e a materialização do amor ao próximo que Jesus nos aconselhou a fim de por término a esses ciclos de sofrimentos em que nos vemos enredados por tanto tempo).  

CONCLUSÕES QUE TIRO PARA MIM

  1. Devemos nos importar menos com as causas íntimas das aflições do que nos fortalecer para saná-las;
  2. Insistir menos nas especulações do nosso passado e investir mais nas ações de hoje;
  3. Considerar a prece como uma forte aliada para ajudar-nos na materialidade de nossos problemas;
  4. Não esquecer que, não importa quem sejamos, viemos sempre à terra com uma missão para o bem.

***

Retorno de Erick Machado

No mesmo sentido de síntese, aproximação e complementação de ideias, gostaria de deixar apenas pequenos pontos que, me parecem, vem ao encontro do que o amigo ponderou em todas as questões.

Dores do parto
- Como metonímia, acredito ser aceitável a expressão "populações inteiras". Minha questão era que existem condições comparáveis à microcefalia em bem maior quantidade, diariamente. Isso minimiza episódio do surto como oportunidade reencarnatória extraordinária. De resto, concordo com os apontamentos.

Caráter dos Espíritos envolvidos
- Aqui acredito que aqui nossa diferença seja mais de foco que de conteúdo. Concordo com você que, individualmente, a condição corporal seja norte para entender a solidariedade das vidas sucessivas. Perfeito. O que não acredito ser possível é a generalização de que uma condição corporal, como a microcefalia, possa determinar, de forma geral, o caráter dos Espíritos reencarnantes. Acho que há complementação de pensamentos: ambos acreditamos na mesma relação entre corpo e Espírito; mas eu me referi ao fato de que, dadas as múltiplas condições possíveis do Espírito, não é possível determinar, pelo corpo, qual delas está em questão, e você se referindo ao fato de que, ainda que não possamos apontar que condição é essa, não é sem razão que aquele Espírito vem naquele corpo.

Culpa da Natureza
- Entendo que apesar de uma divergência sutil, novamente temos mais uma questão de foco. O amigo tem razão quando lembra a prece como forma de interferência do espírito na matéria, via perispírito. Ainda assim, entendo que a interferência tem foco moral, antes de tudo. As lágrimas enxugadas e mesmo as doenças têm essência moral por trás de si. Contudo, embora entenda que, no caso da microcefalia, o pensamento não tenha interferido numa suposta "atração" do surto em si, acredito ter me equivocado ao dar a entender que apenas o físico interfere no físico, já que concordo que o pensamento pode interferir notoriamente na materialidade.

Missão do Brasil
- Concordo plenamente. Mesmo advogando contra a tese do Brasil missionário, não podemos perder de vista que a cada um de nós foram confiadas missões de acordo com nosso conhecimento e capacidade.

Microcefalia segundo o espiritismo



O momento para o Brasil é de pesar. Um surto de malformações fetais onde se predomina a microcefalia desespera a população e, para piorar a história, o Nordeste é vítima da maior parte dos casos, superpondo esse sofrimento ao da seca. As notícias sobre os agravos aumentam e vazam com a leviandade dos boatos. 

Venho aqui para tentar pensar qual o motivo dessa tragédia entre nós. Vou elencar algumas correntes de pensamento espírita que provavelmente fundamentarão explicações daqui em diante nos relatos mediúnicos, esperando que algum me surpreenda e fortaleça-nos ainda mais.


A tese das expiações evolutivas ou das dores do parto 


Um surto que acomete populações inteiras pode ter relação com uma leva de Espíritos reencarnantes, cujo tempo para a progressão moral se finda no avançar da hora da maturação do planeta. A humanidade, nestes últimos séculos, se ressente das dores de um parto que custa a acabar, cujos momentos de seu curso se refletem na eclosão de violências, no escancaramento de vícios e corrupções, e, agora, na materialização de meios propícios para a vivência de dores de resgate e aprendizado.

Parteja-se aqui um mundo melhor, entregue em breve às luzes de um descanso de regeneração para o corpo social sofrido. 


Sobre o caráter dos Espíritos envolvidos


Quando carregados de escolhas ruins, estas fragilizam seu perispírito, órgão espiritual que plasma o corpo físico, fazendo com que as malformações emerjam. As limitações extremas do corpo conduzem o Espírito a um aprendizado de seus movimentos interiores, de suas emoções, e mesmo os pais e familiares passam a ler as lições trazidas pelas próprias vulnerabilidades. 

Acontece de grandes almas escolherem reencarnar em um corpo débil. Almejam mais iluminação ao sofrerem com as ilusões da dor. Pensam também em se engajarem em contexto de aprendizado para os pais, sendo instrumentos para tanto. 

Ocorre de igual modo que pais abnegados tenham escolhido receber Espíritos em situação de resgate expiatório, e, assim, acolhem aquele sofrimento com devotamento ímpar.


Sobre a "culpa" da natureza 


O Espiritismo tenta mostrar que a natureza não é nossa inimiga. Uma superficial visão ecológica nos faria entender que os ciclos de vida e morte são inevitáveis, que as doenças são caminhos possíveis. A imortalidade da alma nos deixa estagiários destes processos. 

É verdade, porém, que viemos, com nossa tecnologia, alargando vários limites da natureza. Algumas dessas nossas tentativas descambam em não menos naturais desequilíbrios que nos convidam a empreender melhores respostas. 

Não se defende o crescimento zero, mas o crescimento bem guiado pela inteligência e pela ética a fim de tornar o desenvolvimento o mais democrático possível. Somos destinados a fazer imperar o cosmos sobre o caos, mas nunca em benefício de uma oligarquia olímpica. As tentativas que se direcionam para o privilégio são corrupções da nossa missão e sempre tendem a desandar. 

De outro modo, assim como em pequena escala o Espírito é responsável pelo origami do corpo, em larga escala, nossas ações como humanidade se refletem em tudo que nos é considerado meio de existência. Está perfeitamente conforme à cosmovisão espírita pensar que as catástrofes naturais possam refletir o estado de espírito dos homens e mulheres, formando bolsões de miasmas que se precipitam sobre nós o que, aos tempos do Egito antigo, foram considerados como pragas, e que, todavia, tinha menos a ver com a ação direta de Deus do que com a repercussão dos nossos atos sobre o mundo. 


A missão do Brasil


Certa corrente do pensamento espírita imagina ser o Brasil um grande acolhedor das práticas do Evangelho. E, como ele tivesse sido destinado por Jesus para acolher os aflitos do mundo, é provável que alguém nos fale que os Espíritos envolvidos em crimes de outras nações estejam sendo destinados para compor nossas novas crianças cujos corpos débeis servem de poderoso cadinho para as transformações viscerais do espírito imortal. 

O que todas essas teses apontam é que não devemos vestir a túnica dos coitados do mundo, que o desespero deve ser convertido em trabalho, que o amor pelo próximo e o acolhimento dos debilitados deve ser, mais do que nunca, a tônica de nossos corações. 


Leia também:

* O comentário que faço à contribuição de leitores desse assunto: link
** Uma mensagem de consolação escrita por um leitor endereçada à família vivendo com  a situação da microcefalia: link
*** Outros diálogos que andei tendo com leitores deste blog: link