segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Jessica Jones, Killgrave e o Espiritismo




Jessica Jones é um dos heróis da Marvel partícipes de um mundo que tenta se reconstruir da grande invasão alienígena que deu origem aos Vingadores. Embora a estrutura de herói contra vilão se mantenha, a densidade psicológica dos personagens vai além do que costumamos nos deparar, e os conflitos existentes dentro do herói dão ao personagem uma riqueza cujo caos é mais fácil de encontrar na vida do que aqueles modelos de mocinho à antiga. 

Vim aqui falar do primeiro inimigo veiculado para série criada pela Netflix-Marvel: Killgrave. Por uma experimentação feita em seu próprio corpo, esse vilão passa a ter a habilidade de controlar as pessoas com um simples comando de voz. O interessante é que todos os que passam pela experiência de ter sido controlado por ele o fazem a partir de uma vontade que as compele, mas em conflito com outra vontade - irrisória - de não querer obedecer. 

Em certo momento, o grupo de pessoas que foi instado a fazer o mal sob o domínio dessa força incontrolável acaba deixando escapar que, talvez, no fundo haja aquela vontade em si, motivo pelo qual houve a possibilidade de ela se instalar em seus atos. 

A associação que gostaria de trazer para essas intrigas psíquicas é a da obsessão (influência nociva de um espíritos obre outro). Aqui ilustrando bem o que seria a subjugação. Kardec a define assim em O Livro dos Médiuns: "A subjugação é uma constrição que paralisa a vontade daquele que a sofre e o faz agir a seu mau grado. Numa palavra: o paciente fica sob um verdadeiro jugo."

Na subjugação a vontade do indivíduo é como que paralisada. Portanto, quando uma obsessão chega nesse ponto, sempre a cura deve vir com a intercessão de um agente externo: o passe (quem é a imposição de energias que tentam provocar o desenlace do jugo do obsessor) e a doutrinação (que é a tentativa de fazer com que o obsessor deixe de protagonizar esse jugo). A água fluidificada e os remédios da psiquiatria agem todos como o passe. A terapia aqui, que seria "a doutrinação" do paciente, age no intuito de fortalecer sua vontade contra a do obsessor, e, nesse caso, é de pouca valia. 

Vê-se todos esses elementos em Jessica Jones. Ela é o agente externo terapêutico necessário. Sua força atua sobre os subjugados a fim de afastá-los da consciência dominada por Killgrave. A sua fala em busca de trazer à lucidez seus amigos é quase vã. 

O Espiritismo nos faz perceber que nada acontece por acaso. Toda ligação, por mais tenaz e atroz que seja, possui uma razão de ser na história dos envolvidos. Toda relação é a tentativa de desatar nós anteriores. Elas findam por encontrar termo quando o reequilíbrio dos sentimentos se restabelece. Por vezes, não é possível que isso aconteça na mesma vida, mas depois da morte o caminho educativo e restaurador prossegue com ainda mais agudez, já que é quando as consciências estão desnudas do peso da matéria, a culpa se torna mais viva, e as leis do Criador, adormecidas em nós, acordam, acalmando os que fizeram boas escolhas, esmagando em remorso os que insistiram no mal, para depois fazê-los renascer em caminho de reparação. 

Sempre nos deparamos, nessas história dos super-heróis que querem fazer justiça com as próprias mãos, com a ausência de fé em uma justiça superior e na descrença de que haja um controle bom do cosmos. A pergunta que não se cala é: se eu tenho o poder de parar este mal, por que não fazê-lo? Até que ponto Deus, com essas habilidades que tenho, não me fez o instrumento de Sua própria Vontade para por um fim nisso? Deixo um pouco essas questões para serem trabalhadas em breve. 
  

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Injúrias e Violências



Palestra concedida à Sociedade Espírita Irmãos do Caminho que coincidiu com a escandalização mundial dos atentados sobre a França, nos fazendo lembrar que ainda hoje o mundo está em contínua guerra. 

Queria analisar a questão da violência do homem. Problematizei mostrando que, neste mundo, a forma como somos recebidos é eivada de violência. É violenta a natureza que nos circunda, e a dor parece uma constante. Fiz semelhante à Léon Denis quando principia a filosofar sobre o assunto em sua obra magna:


"O animal está sujeito à luta ardente pela vida. Entre as ervas do prado, as folhas e a ramaria dos bosques, nos ares, no seio das águas, por toda parte desenrolam-se dramas ignorados. Em nossas cidades prossegue sem cessar a hecatombe de pobres animais inofensivos, sacrificados às nossas necessidades ou entregues nos laboratórios ao suplício da vivisseção. Quanto à humanidade, sua história não é mais que um longo martirológio. Através dos tempos, por cima dos séculos, rola a triste melopéia dos sofrimentos humanos; o lamento dos desgraçados sobe com uma intensidade dilacerante, que tem a regularidade de uma vaga." (Léon Denis em O problema do Ser, do Destino e da Dor)

Parece dar razão à mitologia hebraica da queda do Paraíso. Se bem que não lembramos de que paraíso caímos, já que a infância abastada parece mais um esquecimento de que muitos sofrem, e adultícia completamente feliz é o ignorar que os outros penam. Ilustrei que foi nesse terreno de um planeta doloroso que Jesus veio nascer sob as mesmas condições e morrer em piores.

Evoquei, então, algumas escolas que quiseram explicar a violência do homem: 1. certa corrente da psicanálise que diz ser a violência não só um elemento inato, mas uma constante, que quando não pende para o homicídio o faz para o suicídio, nas várias formas, as mais chocantes ou as mais sutis. 2. certo discurso das ciências humanas, Foucault na vanguarda, quando fala sobre o encarceramento que a idade moderna (a que se diz "da razão") provoca sobre o que ela considera os anormais

Sugeri que não é uma exclusividade dos modernos, mas desde muito tempo na Terra, mostram algumas pesquisas paleontológicas, viemos devorando uns aos outros, não aprendendo a conviver com o diferente. Aponto, então, como tese principal que o problema nem é o homem ser destinado à violência nem a razão ser propícia à exclusão, mas que nossa liberdade nos conduziu mal a enxergar no outro algo que é radicalmente diferente de nós. 

Lembrei, então, dos budistas, cuja forma de ver o mundo animal, como um possível de reencarnação, os faz ver tudo com compaixão. Eles fazem caminhos para que as formigas passem e tratam o cachorro como um irmão! Não é mérito deles exclusivamente. Antes mesmo de o Ocidente conhecê-los, Francisco de Assis conversava com os pássaros, a Lua, o Sol, seus irmãos. Os grandes místicos sempre viram em tudo uma grande unidade, e o eu radicalmente diferente do outro como uma ilusão. 

Minha tese principal, enfim, é que não enxergarmo-nos como semelhantes, filhos de um mesmo Pai, é o que nos conduz para o desespero de defender o eu, o meu, os meus. E a violência começa desde o momento em que me nego em enxergar na fala do outro um possível de verdade. Ter certeza demais do meu ponto de vista é o que ajuda a colocar um ponto final em várias vidas de outros. E mesmo que a razão nos ajude a compreender a verdade do que falo, é o amor, como insistia Jesus de Nazaré, que permitirá a prática dessa paz.


A palestra está disponível temporariamente neste link:

Eis os tópicos norteadores da palestra:

Depressão segundo o espiritismo



Palestra proferida ao Lar Espírita Chico Xavier de Paracuru que carinhosamente me recebeu para me ajudar a pensar sobre esse tema tão presente em nossos dias. 

Introduzi situando-nos em uma era em que a medicina vem entrando em nossas vidas acautelando-nos sobre as doenças invisíveis. Até, então, a maior parte das moléstias que ceifavam nossos entes saltavam aos olhos, quando não matavam rapidamente. Com o advento das cidades bem urbanizadas e dos antibióticos, passamos a presenciar, por conseqüência da longevidade, as doenças que matam aos poucos, e cujos remédios servem, no pior dos cenários, para prolongar o sofrimento cotidiano. O médico se deparou mesmo com a trágica questão de "quando parar de investir em alguma vida". A tecnologia médica colocou sob nossos olhos o "indivíduo sustentado por aparelhos", o questionamento sobre se aquela vida não estaria em excesso. 

Uma das doenças invisíveis que mais vem consumindo a alegria das gentes é a depressão. Associado a esse quadro em que estamos prestando mais atenção ao que nos desgasta lentamente mais do que o que nos mata de súbito, há uma mudança radical no que entendíamos ser o "sentido da vida". Os últimos três séculos testemunharam um esvaziamento das grandes narrativas (religiões, filosofias, sabedorias dos povos) sem precedentes na história da humanidade. O sentimento de comunidade se esfacela. Entregues ao mundo globalizado, pelo menos duas grandes mudanças nos fazem ver a última geração como já caduca: 1. a verdade de qualquer coisa se desintegra no fluxo da internet; 2. a casa das pessoas se torna o mundo, e, se por um lado o corpo adquire amplitude tecnológica suficiente para explorá-lo, o espírito não acompanha esse processo. São esses fatores que, grosso modo, sugeri darem razão para aqueles que dizem ser a depressão nossa "doença do século". Seus sintomas são quase que uma revolta contra tudo isso: querer ficar mais em casa, se perturbar com o nada que nos circunda, com a ausência de raízes, e, por vezes, sentir tudo isso sem saber porque se sente, pois, onde a verdade?

Entre as tecnologias médicas, semelhante aos antibióticos que quiseram por fim às infecções, drogas antidepressivas mais sofisticadas surgiram prometendo devolver a alegria: um messias farmacológico. E, muito embora, tenha havido resultados formidáveis, havendo mesmo aqueles que defenderam e defendem a universalização do antidepressivo, há uma parcela considerável da população que sofre com depressão que se frustra com seus resultados. São esses indivíduos para quem a mensagem das religiões, filosofias, sabedorias de todos os tempos, do espiritismo, enfim, ainda é válida. 

O espiritismo vem revelar que as nossas doenças não são desta vida, nem são do acaso. São construções milenares. A experiência do Espírito na carne é uma terapia per si, onde as emoções que dinamizamos no contato com o outro podem ser trabalhadas intensamente. O remédio é uma ajuda, não a cura. E a cura pode não vir nesta vida. A salvação não é uma dádiva, mas um caminho. E o imediatismo apenas complica nossas perspectivas. O futuro, sendo certo, não deve ser rechaçado, e a esperança, juntamente ao trabalho no bem, devem ser nossos companheiros inseparáveis. 

Para aqueles que não apresentam qualquer quadro depressivo, todavia, partícipes de outros processos expiatórios, devem ter uma atitude de acolhimento paciente e amoroso para com os que sofrem na depressão, não exigindo que tenham o brilho dos olhos na mesma velocidade em que estes piscam, mas tendo abertura para caminhar lado a lado nesse processo de harmonização da própria vontade com a Vontade do Criador, que nos quer felizes, todos felizes, juntos.