quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Respondendo natalinas perguntas ou Sobre a árvore, os presentes e o materialismo



O jovem: 

"E o que vocês tem a dizer sobre árvore, presentes, materialismo... e sei lá.  Acho que tem tanto sobre natal que extrapola o nascimento de Jesus.  Mas, talvez ficasse extenso demais, mesmo. (...) E o pensamento racional ao qual tu se propõe também deveria considerar que provavelmente Jesus nem nasceu no dia 25 de dezembro. (...) O que me chamou atenção, no final, é que tu se refere a Jesus como Deus, no fim do texto. Pera, deixa eu ver aqui se acho o quote: "o parto dessa Divina Criatura que ESCOLHEU nascer em condições tão deprimentes entre nós para mostrar, a partir de baixo, como o humano pode se elevar às mais cristalinas alturas."

  •  Sobre árvore, presentes e materialismo: 
Depende do espírita. Tem deles que vai dizer: "Materialismo abominável! Nos faz esquecer que o que importa é o aniversário das lições de Jesus que nos libertava das ilusões deste mundo." Eu digo: "É lindo!"

A árvore nos devolve a um culto ao redor de seres vivos com potencial para viver bem mais que a gente e testemunhar gerações. Ainda me lembro* que papai costumava enfeitar de lâmpadas coloridas a laranjeira que nasceu em nossa casa do sertão, aguada pela sujeira que escorria de nossos corpos - meu, de minha irmã e do meu primo -  pelados ao pé do tanque. Então, a árvore, para mim, tem gosto de lembrança do papai e da mão da mamãe ensaboando meu corpo. 

Os presentes. Minha esposa sai em busca de gastar o décimo terceiro nosso com cada pessoa próxima a quem ela quer muito bem, e mesmo para os distantes a quem ela deve respeito. Às vezes a gente nem recebe de volta nada. Então, uma grande lição me proporciona: amar sem esperar de volta.

E o materialismo. O que seria de nós se não fosse a matéria? Penso em beijos, cheiros e abraços quando falo nisso. 

Da data de nascimento de Jesus. Sério?! Que me importa se algum imperador do passado baixou um decreto criando essa data? Que Jesus tenha nascido dois meses antes ou dois meses depois só vale para os astrólogos que ficam tentando saber de que signo seria o menino. De novo: me é querida a data em que, lembrando o "amai-vos uns aos outros como eu vos amei", tentamos, no maior consenso da civilização ocidental possível, nos aproximar do aniversariante por esses caminhos: árvore, presentes e matéria

Sobre o fato de Jesus ter escolhido o próprio nascimento. Só um deus escolhe nascer, não é? Humanos são nascidos, confere? É que acreditamos que Jesus, embora não sendo Deus, era deus suficiente para já não estar submetido a obrigações de ciclos de renascimento. Nascer entre nós, os necessitados disso, foi uma escolha de retorno para nos mostrar o caminho que conduz a libertação dessa necessidade, bastas vezes dolorosa. Ou talvez, ensinar que esses ciclos não precisam ser dolorosos. E o quanto de dor ele sofreu para nos ensinar isso, não é? Mas, isso, querido, é um artigo de fé espírita. Foge um pouco da filosofia. Sim, também temos artigos de fé. Podemos viver sem ter? 

Mas, tipo, lembrar que possuímos escolha de amar ou não as pessoas, aceitar que, semelhante ao Cristo, apesar das contingências, SOMOS ESCOLHA, me faz sentir livre para ser um pouco mais do que sou a favor daquele que não é como eu. Esse movimento, de sair da certeza de si para o mistério do outro, é uma das definições de caridade. 

* Não dá para responder sobre essas datas comemorativas sem ser algo completamente pintado com as próprias vivências.



sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O Natal para o espírita



Em um ano desses, um grupo de estudante de medicina que empreendia uma atividade de promoção à saúde de idosos assistidos por um centro espírita decidiu realizar o natal deles. Um dos integrantes ponderou:

- Mas, tem que tomar cuidado sobre falar em Jesus, afinal, são espíritas, não é?

A ideia do garoto, imagino, é que somos completamente indiferentes à Jesus, até mesmo hostis. Dedução feita, talvez, do fato de o não considerarmos Deus encarnado. 

Passava ao largo do conhecimento do graduando o quanto Jesus era a base da moral espírita, que a prática de suas palavras nos são o maior caminho de salvação possível. Não que as utilizemos para rebaixar outras doutrinas, mas que - é nossa crença - servindo às suas máximas ao máximo, poderíamos entrar, com maior certeza, no reino interior de nossa serenidade de espírito. A forma mais sublime de amor, o conceito mais elevado de Deus, o futuro médico não pensava que os tínhamos tomado totalmente de Cristo. Ignorava completamente o que Kardec enfrentou ao ter filiado a doutrina espírita à cristã: o anátema da igreja, o escárnio dos cientistas. 

Não o considerar Deus, mas um modelo a seguir, o maior modelo, deve levar o espírita, neste dia, a agradecer ao Criador o parto dessa Divina Criatura que escolheu nascer em condições tão deprimentes entre nós para mostrar, a partir de baixo, como o humano pode se elevar às mais cristalinas alturas. 

P.S.: Um leitor desse blog me fez perguntas sobre o natal para o espírita. Confira as respostas aqui.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Orar sem culpa



Constantemente me pego falando com Deus reforçando minha pequenez. Antes fosse só pequenez. Falo dos meus crimes. E olhe que nem sou o fora da lei mais procurado que existe por aí. É porque os crentes tem essa tendência de se humilhar diante do Absoluto. É o que nos conduz a humildade e, de certa forma, nos permite enxergar um pouco fora de nós, já que a exaltação do ego nos coloca como ídolo. 

Poderíamos dizer que os espíritas tem uma maior tendência de enveredar por esse tipo de confissão dos pecados em oração, uma vez que não temos por ritual a confissão de nossas faltas para qualquer sacerdote e que estas se multiplicam sobre nossos ombros com a adoção da crença em vidas passadas. 

Em verdade, a vontade de confissão e de perdão pelo que fazemos é do estado de espírito daqueles que crêem em algo maior. Se tudo o que nos circunda é quase nada em relação ao infinito, a pequenez de nossa vida nos leva a pensar que equivale a mesquinharia e a vileza quase qualquer coisa que fazemos. 

Esse post é para convidar para um outro tipo de comunicação com Deus: o da comunhão. 

Não é de nossa pequenez que nasce a culpa, mas de nossa tristeza. O mesmo sentimento de humildade diante do mais-alto-que-nós pode nos conduzir a alegria. Eis uma outra conversa possível:

- Senhor, que sol maravilhoso esta manhã, espantou meu frio. E que brisa leve, afagou meus cabelos. Os alimentos que me sustentam, que gosto, que gozo poder comê-los! As águas desse rio, o corpo deslizando nessa fluidez. Serpenteia, ó corpo! As pessoas ao redor, há semelhantes por todo o lugar. E as árvores, e o ar, e a terra. Que cores, que sopro, que bom poder andar! O sorriso do menino, o samba da moça, o batuque das gentes. Ó planeta Terra, que a vida nos seja leve nesse teu infindo girar! 

Eu sei. Essa prece é demais minha para qualquer um poder recitar. Privilégios se somam em cada linha que não são compartilhados por muitas pessoas. O convite, contudo, não é para que eu seja invejado, mas para perceber que a alegria está na gratidão por cada coisa que positivamente se nos avizinha. 

Não é a posse da verdade que difere o pessimista do otimista, mas o viés de percepção. 

domingo, 7 de dezembro de 2014

Nossa homenagem ao Sr. Bolaños (Chaves, Chapolin, Dr. Chapatin, Soldado Chispirito, etc.)



Vejo mães dizendo que Chaves não era um desenho para crianças, pois as deseducavam. Mas, porque aquelas crianças se tornaram tão queridas para gente?

Elas brigavam umas contra as outras, os mais ricos esnobando os mais pobres, os donos dos meios de produção humilhando os inquilinos, os mais velhos sendo insultados pelos pequenos, a falta de polidez, a violência entre os vizinhos, a malandragem, a mentira, a sinceridade que agride. Todos estes recursos que reconhecemos tão nossos que rimos de nossa própria humanidade espelhada nos personagens de Bolaños.

Todavia, quando estávamos no ápice dessa identidade ao ponto de reforçá-la em nosso dia-a-dia, vinha aquela vila nos falar sobre a juventude do coração, a reconciliação dos díspares, o nivelamento das classes, a grandeza da amizade, a beleza do amor, a divindade de acolher um menino de rua como protagonista de nossas melhores lembranças, sem nem sabermos direito sua história ou a glória de seu sobrenome, mas pela ingenuidade e leveza com que vivia sua vida de barril.

E quem já não se sentiu tão herói quanto o anti-herói Chapolin? As pessoas em suas aventuras se salvam menos pelas habilidades deste do que pelo acaso delas. Ele é quase um fator confundidor que, por desnortear o mal, acaba o desmantelando.

Isso é uma lição para todos que quiserem "educar o ser humano". Não adianta tanto nos contar histórias de grandes heróis e deuses. Não o somos. Poderemos até nutrir admiração por eles, mas porque os imitar? Não são da nossa leva. Se quiserem fazer vibrar nosso íntimo ao ponto de nos guiar para transformações verdadeiras, tem que começar a partir do que verdadeiramente estamos, hoje. Para, então, mostrar como poderemos ser a partir dessa massa confusa de que somos feito.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Diálogo de crepúsculo

Os ateus andam se apossando de meu espírito. O desprezo pelos rituais, o incômodo com falas igrejeiras. Não quero ler o evangelho semanalmente, pensando receber bençãos. Me cheira a magia. Convidei minha esposa a falarmos do dia todos os dias, com respeito - a escuta. Por que esse diálogo amoroso de crepúsculo seria menos divino? Penso em ser mais amigo de meus amigos. Por que essa doação seria menos nobre que qualquer esmola? Os ateus, posseiros de meu espírito! E o coração sofre com essa invasão. Mas, a crença em Deus está a salvo!