sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

...saber onde se quer chegar



O método, mais particularmente a preocupação com ele, refez a cabeça de nós ocidentais. Foi uma grande estratégia de guerra contra os saberes que se impunham ao homem partindo das autoridades inquestionáveis, colocadas nesse patamar por manobras históricas que se naturalizaram na cultura humana. 

Solicitar o método de como se chegou ao conhecimento que se têm foi a grande arma que derrotou as ciências ocultas que, veja o nome!, ocultavam os caminhos de se chegar aos mistérios que elas guardavam. A Igreja Católica fazia as vezes destas ciências na Idade Média. 

Vide a nossa ciência moderna. Levantou-se sobre o questionamento de tudo o que a circundava para erigir uma base pretensamente mais sólida que a teologia, cujo princípio fundamental, Deus, escapava ao homem. Tudo deve passar pela voracidade do método. Nada dele pode escapar sob pena de não ser considerado existente. 

Contudo, não podemos viver assim. Se essa exigência metodológica é imprescindível para não sermos subjugados pelos falsos profetas, por outro lado é incompatível com a vida que não cansa de nos surpreender para nos conduzir para novos horizontes. Um novo problema aparece. No império do método, o outro, isto é, o ser-que-não-sou-eu, deve provar a sua existência para poder ser incorporado no meu mundo cognoscível. 

Estamos vivendo uma revolução tão grandiosa quanto a que Descartes provocou à sua época ao mexer com esse discurso sobre o método. Entendemos que, para que a riqueza da vida não passe desapercebida pelos nossos olhos, é mister abrir o nosso espírito para as experiências da alteridade. Sem abandonar o que somos, nos entregar a aventura do não-ser, ou do que ainda-não-é. Todavia, lembrando que há uma meta que deve ser fixada para que não nos percamos na jornada. O bem da humanidade, assim, torna-se o objetivo a que todos nós devemos almejar. Que o método seja subjugado para este fim, que seja criado com este propósito, mas nunca, nunca mais, submeter o propósito a qualquer método, sob pena de perdê-lo de vista. 

Há, contudo, uma temeridade nessa conduta. Qualquer método é válido para alcançar o bem comum? Nesse quesito, certo pensamento oriental nos dá nortes para não causarmos deliberadamente mortes. O caminho para a paz perpétua é a paz como caminho. Outra confusão na qual não podemos cair é a de entender paz como estado de lassidão. Há um movimento enorme por trás de qualquer paz. Há força por trás do perdão. Mas, após atingido o estado de amor, o movimento para o outro se cobre de um facilidade natural. 

Precisei fazer esse adendo na questão Dos Princípios da Doutrina Espírita porque em postagem anterior, propositadamente, falei que o Espiritismo teve sua questão de método, mas sem esquecer onde queria chegar. 


Para os metodólogos rigorosos, uma ciência autêntica não pode fixar objetivos senão o de descobrir a verdade. Contudo, a verdade que não fixa o bem do outro como meta é envenenada pelos crimes contra a ética. Por isso que, para Kardec, verdade e bondade não poderiam andar separadas. Não é do nada que ele tira essa forma de fazer ciência, mas da cosmovisão cristã que tem a ideia de Deus, revelada por Jesus na releitura do judaismo, como balisa paras as ações. Se Deus impera sobre o universo com os raios da verdade, da justiça e do amor, de outro modo não pode exercer o homem seu fazer científico. É seguindo esses passos que - volto a esse assunto - a doutrina Espírita floresce como ciência, ética e religião. Qualquer cientista que ponha o amor ao outro como bússola e não como tapete necessariamente há de desenvolver esses três ramos no seu corpo doutrinário.

sábado, 21 de dezembro de 2013

As suas dores, só você as pode sanar



Cada vez mais admiro menos o quanto temos facilidade em aceitar um Senhor salvador de nossa alma que, enfim, dissipa todas as nossas angústias. Somos criados assim! Ou melhor, crescemos com essa atitude ao nosso redor.

Muitas pessoas que se aproximam do filho que Deus encarnou em nosso lar desconsideram os dias inteiros e os momentos da madrugada que minha esposa tem passado com a criança e lançam propostas, enfim, salvadoras para as cólicas, para o choro, para a irritação que o pequeno deixa manifestar, ou que se lhe apoderam. “Enfim, salvadoras” porque é assim que elas se sentem quando professam a verdade de seu caminho de consolação. Desprezam, dessa forma, toda a experiência da mãe que vem sofrendo horas a fio tentando descobrir as singularidades do rebento. Portadoras de uma ciência – devem assim acreditar – que supera os achismos da ingênua mãezinha de primeira viagem.

Que deve haver alguma coisa que valha para muitas pessoas feito regra geral não anula o fato de que cada ser humano é um mundo todo por desbravar, cuja completa revelação está longe de se dar em uma simples visita. Cada mãe, por mais experiência e segurança que tenha, não deve desconsiderar que este novo filho é uma primeira viagem dela para ele. Uma primeira viagem, claro, que já pode ser a continuação de viagens sucessivas a que nos dedicamos em vidas passadas juntos.

Não quero defender que devamos nos abster de dar sugestões para os outros. Mas, exorto todos a enxergarem que os outros já vêm trilhando um caminho de gestão da própria vida. Sua "enfim verdade" não passa mais do que uma possibilidade.

No Espiritismo, temos elevada consideração pelas orientações de Jesus, a ponto de colocá-las como crivo de verdade. Mas, a grande miséria de todos os que se prendem às palavras é que Ele nada escreveu do que falou, e o que chegou aos nossos olhos não foram nada mais que interpretações dos evangelistas. O melhor método de entender Jesus – eis a essência – é colocar à prova suas prováveis ideias em nossos atos, diuturnamente, por séculos progressivos. Não há uma orientação salvadora a não ser a que se reveste de ato e prova sua majestade na luta diária da vida.

Compartilho a cena que está diante dos meus olhos, agora: Uma mãe exausta dormindo sentada em uma cadeira de balanço tendo um filhote, enfim, repousado com a cabecinha entre seus seios.


São grandes lições para ela tudo por que está passando, e, diante dos muitos insucessos a que chegamos (e chegaremos) de encontrar o meio, enfim, ideal para consolar nosso filho para sempre, para ele eu só posso dizer em um cochicho no ouvido: “No fundo, no fundo, pequeno, qualquer pessoa pode tentar ajudá-lo com suas dores, mas só cabe a você saná-las!”.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Uma questão de método e de saber onde se quer chegar




Todos os princípios espíritas partem da revelação dos Espíritos quando questionados por Kardec. O professor lionês, para assumir as respostas como sendo pontos de doutrina, criou o seguinte método: o controle universal dos Espíritos. Entendia que se uma mesma resposta, ou semelhante, estava chegando para responder às suas perguntas de diferentes partes do globo, através de médiuns que não tinham a mínima possibilidade de trocar ideias, ela deveria se aproximar da realidade. Mas, ele também não deixava a análise racional de lado. Era criterioso, e se algum ponto questionasse os conhecimentos da ciência de então, mantinha-o em reserva para análises futuras. Dizia ser melhor rejeitar mil verdades que assumir uma mentira.

A reencarnação foi um dos poucos princípios doutrinários que passou pelo seu crivo sem provas materiais cabais, porque a insistência dos Espíritos em confessar sua natureza reencarnante era grande. Todavia, Kardec fazia o exercício de, colocando de lado a massa das comunicações afirmativas, arrazoar o quanto este princípio tinha consistência lógica para explicar os fenômenos da vida. É o que encontramos no capítulo 5, parte 2, “Considerações sobre a pluralidade das existências”:

“Examinemos de outro ponto de vista a matéria e, abstraindo de qualquer intervenção dos Espíritos, deixemo-los de lado, por enquanto. Suponhamos que esta teoria nada tenha que ver com eles; suponhamos mesmo que jamais se haja cogitado de Espíritos. Coloquemo-nos, momentaneamente, num terreno neutro, admitindo o mesmo grau de probabilidade para ambas as hipóteses, isto é, a da pluralidade e a da unicidade das existências corpóreas, e vejamos para que lado a razão e o nosso próprio interesse nos farão pender.”

Coisa semelhante se deu junto aos princípios da pluralidade dos mundos habitados e dos espíritos na natureza. A ciência de então não havia detectado vida além da Terra, mas os Espíritos não só afirmavam como mostravam o quanto essa vida espalhada correspondia a grandeza de Deus.

Ah! Outro ponto importante e sem o qual não conseguimos entender a Doutrina Espírita: Deus existe e é todo bom, todo justo e todo sapiente. Parte-se dessa definição. Ela está inscrita na tradição cristã, a qual Kardec estava filiado. No Ocidente, essa visão de Deus era quase senso comum. Descartes não a negava. Spinoza e Leibniz tentavam, cada um a sua maneira, justificar a magnanimidade de Deus. Voltaire, apesar de toda sua crítica corrosiva contra Igreja, endossava a necessidade de uma nova religião que se coadunasse com essa visão divina. Rousseau explicitava-a na “profissão de fé do Vigário Saboiano”. Mesmo Kant, que demonstrou ser impossível ter acesso ao conceito de Deus pelas vias da razão, admitia que esta ideia era necessária para guiar o progresso da ciência. Sem falar dos homens simples que a tinham tatuado no espírito.

Portanto, quando vemos Kardec colocando como pedra de toque a grandeza de Deus para balizar as verdades que vinham dos Espíritos, não é de se admirar. A ojeriza por esse critério de verdade que se tem hoje em dia nos meios filosófico-científicos é notável. Passamos por um processo de secularização incomensurável. É que não houve doutrina suficientemente potente que tenha acalentado o coração das pessoas enquanto as múltiplas destruições do homem moderno foram se desenrolando. O absurdo da existência, trazido pela crueldade dos homens e a ferocidade dos abalos naturais, falou mais alto que todos os argumentos construídos. Feridas profundas ainda por cicatrizar e permitir que enxerguemos de novo as luzes do otimismo da vida.

Allan Kardec enxergou propósitos grandiosos para a Doutrina dos Espíritos. Profetizou que ela se espalharia rápido e transformaria o mundo em pouco tempo. Mas, as coisas de Deus se processam em percursos cósmicos. A lentidão da História inquieta as almas desesperadas. O Espiritismo veio aportar no Brasil junto a negros, índios e brancos. E vai aos poucos ganhando corpo para exercer a missão que seu codificador um dia sonhara. Unir os povos, quiçá os mundos, em um só ideal de amor...





domingo, 8 de dezembro de 2013

As pessoas precisam da gente, também




É um tema complicado de se falar nesses tempos em que tentamos ainda cicatrizar nosso eu das negações a que o entregamos nos idos dos cilícios medievais (ainda!). Quando a doutrina de Jesus era encarada como um desprezo ao mundo, ao corpo, ao prazer. Pelo menos em certa visão hegemônica.

Hoje, portadores da síndrome do messias se deitam nos divãs tentando recuperar o amor de que se esvaziaram para entregar aos outros. Em um processo natural, como acontece com todo aquele que é sugado, murchamos. Lidamos com o desafio de fechar as feridas para voltar a amar da forma certa. Caímos na tentação de voltar a amar apenas a nós mesmos. Não que amar ao outro não possa ser amar a si, também. Mas, é que há algo mais profundo em amar ao outro como o outro que ele é, e não o reduzindo a mim, um espelho, uma cópia. Acredito que a aventura - boa aventura - que Jesus propôs foi a de conseguir enxergar um palmo na nossa frente e expandirmo-nos para além, isto é, para o próximo, sem perder o contato conosco.

Motivou-me falar sobre isso ao ver meu filho, recém-nascido, devolver brilho a olhos foscos e sorriso para bocas tristes. A princípio temi que fosse um peso grande demais, já para um bebê, ser o motivo da felicidade de alguém. Acho que tive um pouco o sentimento de Maria ao ver seu filho entregue aos apóstolos, aos leprosos, aos cegos, aos aflitos de toda sorte. Cada sofrimento minguado parecia apontar o martírio terrível de que padeceria no fim.

Ela não podia fazer nada. O aprendiz de carpinteiro nazareno se entregava inteiro para aquela missão de arrebanhar ovelhas. Que poderei fazer eu? Ainda que esse pequeno venha a sair do berço e correr em prol de enxugar outras lágrimas que se confundirão com as suas, é escolha inalienável. Se mais tarde quiser repousar a fronte em minha barriga gorda e deixar os soluços expulsarem as dores que muito tomou para si, me restará apenas deixar-me ser banhado. Se esse meu redondo jeito de pai não for suficiente para resolver o que quer que seja no seu íntimo, os terapeutas da mente terão vagas para lhe escutar diligentemente, como o fazem para comigo. Se, ainda assim, lhe faltarem forças para seguir no cumprimento de sua missão, o que ele sente ser ela, as muitas igrejas cristãs e os lares espíritas estarão de portas abertas para que ele se alimente na mensagem do bom sacrifício evangélico, do nobre amor.

Esse texto é uma mensagem que endereço para o seu futuro:

- Não esqueças que estou contigo, e Jesus, com todos nós, ainda e para sempre!

sábado, 7 de dezembro de 2013

Ao principiante espírita e afins – Parte II



Comecei, na parte I desse marcador, definindo o Espiritismo pela sua origem e logo depois passei para alguns princípios da doutrina. É necessário que eu tente falar um pouco mais sobre o que ele é antes de passar para os dois princípios sobre os quais prometi falar: a pluralidade dos mundos habitados e dos espíritos na natureza.

O Espiritismo nasce filosofia com uma forma diferente de construir seu corpo doutrinário. Pegando pensadores da época, vemos Descartes se inclinando na dúvida sistemática para construir, através da sua substância pensante (o tal do cogito), um método que, enfim, pudesse reconstruir o edifício da ciência sem arestas para os mortais que não possuíam acesso a ciência revelada dos sacerdotes. Espinosa e Leibniz se utilizam dessa razão possante libertada pelo mestre para construírem grandes sistemas filosóficos que deduziam sobre a origem e a finalidade das coisas, e, consequentemente, o alento para os males físicos e metafísicos. Todos os grandes filósofos construíram seus sistemas com esse exercício vigoroso de decorticar a realidade até o que imaginavam ser o certo. Mas, a filosofia espírita não surge da cabeça de um homem só. É fundada em diálogos. Vide O Livro dos Espíritos.


Sócrates já fazia isso? Em parte. Difícil enxergar Sócrates fora das peças de Platão. Por outro lado, essa história que Sócrates dizia de nada saber é meio conversa fiada. Ele tinha uma astúcia danada de conduzir as pessoas por caminhos de pensar certo segundo o que ele entendia ser o mais certo. Kardec vai descobrindo a verdade dos Espíritos. Com eles dialoga através dos médiuns, e com as respostas deles vai preenchendo a carne da doutrina. É o que se chama hoje de construção coletiva de conhecimento.


Ciência do pós-morte, Kardec dizia. Porque aplicou todo um rigoroso método de análise sobre os fenômenos mediúnicos para decifrá-los. Fazia
até mesmo circular as experiências em um “Jornal de Estudos Psicológicos”, a Revista Espírita. Vide todos os 12 volumes da Revista Espírita e O Livro dos Médiuns.

Religião? Kardec mais ou menos se calou sobre isso até1868, quando pronuncia o clássico discurso em comemoração ao dia dos mortos, reproduzido na Revista Espírita do mês de dezembro. Mas, bem antes já havia deixado uma enorme dica com o lançamento de O Evangelho Segundo o Espiritismo, aliando Espiritismo e mensagem moral do cristianismo indelevelmente.


- Uma coisa que é Filosofia, Ciência e Religião só pode não ser nada! – diz o crítico.


Eu diria que uma ciência sem filosofia é superficial. Uma filosofia sem ciência é frágil. E as duas sem buscar chegar onde a religião discursa, sobre o sentido dos sentidos de tudo, são vãs. Eu estranhei muito, quando me vi ilhado na faculdade de medicina, presenciando o funcionamento da ciência. Desde muito novo acostumado a tentar ver a vida nos três aspectos, sentia-me com a inteligência amputada e o coração vazando ao ver uma ciência alheia aos assuntos do espírito.


Filosofia, Ciência e Religião são ordens diferentes de discursos, tudo bem! Mas não significa que se repelem. Completam-se. Nem todo mundo consegue chegar a desenvolver um corpo doutrinário que contemple essas três zonas. Paciência. Kardec deu um grande avanço nesse aspecto.