domingo, 30 de abril de 2017

Jesus é o modelo: o que isso significa para a vida do espírita?

O que isso significa para o espírita? Não é possível entrar no mundo ocidental sem saber quem foi Cristo. Estando no Ocidente, não é possível se conhecer sem entender qual o peso (ou a leveza) que a vida de Cristo imprime sobre a sua. Esse livrinho pretende, olhando para as etapas da vida de Jesus, esboçar as lições que fazem sombra sobre as nossas etapas. Convido, de forma rápida, então, para ressignificar em nossas vidas o nascimento de Jesus até sua ressurreição.



quinta-feira, 20 de abril de 2017

Sobre os utensílios que se quebram



Hoje de manhã fui cortar o queijo e a faca se partiu. Não me feri. Não é a primeira vez. Era uma faca boa. Foi para o lixo. Fiquei pensando quantas vezes nos infelicitamos com utensílios que quebram. Gostaríamos muito que eles durassem para sempre, mas o dia deles sempre chega. O máximo que podemos almejar é a demora desse dia último. 

Tem que ser assim. 

Como o homem, mortal, pode gerar algo imortal? Como uma inteligência falível pode gerar algo infalível? O escape, no cálculo da criação humana, dos erros inapreensíveis, vão corroendo a natureza do objeto que criamos até o seu fim. Já nasce com promessa de morte. É o aço mais inoxidável do mundo? Não há como isolar 100% a liga metálica da atmosfera. E, vejam só, o mesmo oxigênio que nos dá vida é o que provoca subprotudos tóxicos no metabolismo orgânico a nos conduzir à morte. Produzir vida, conduzir à morte. Estamos mergulhados numa atmosfera de vida, de morte. 

Os únicos que escapam dessa lógica é Deus, pois transcende isso aqui, e o espírito, pois escapa disso aqui. Após a carne corroída, há liberdade para o espírito. Para Deus, Dele tudo descende, incluindo a possibilidade de morte. Portanto, a própria possibilidade descende de Deus, não pode Ele estar submetido à ela. Eis a definição de absoluto, o que não está submetido à possibilidades. O espírito escapa da morte, a morte escapa de Deus. A matéria: momentos de vida vicejada pelo espírito, morte após a passagem dele. 

Duas atitudes sábias para quando nossos utensílios quebrarem:

  1. Do que crê em Deus e na sobrevivência da alma: sentir a brisa da consciência da liberdade que um dia também chegará para você quando a carne quebrar por completo. 
  2. Do que não crê: tomar consciência que é um processo que abocanhará a todos. Por que a admiração? Por que a fúria? 


A faca quebrou. Enfurecer-se com isso é dar um murro na ponta dela.    

sexta-feira, 14 de abril de 2017

Punho de Ferro e seus dilemas espirituais



Um super-herói que não foi treinado, nem escolhido, para salvar a humanidade, mas apenas um pequeno povoado mágico dos confins do Himalaia. Esse seria o Punho de Ferro

Anunciado por uma lenda de que cairia do céu, como que sendo o elefante branco da mensagem onírica que antecede a vinda de Buda, Daniel Rand, um garoto americano vítima de um acidente de avião, por assim dizer, rouba a vez dos meninos de K'un-Lun. 

Passando por um rigorosíssimo treinamento marcial, é coroado com o dom do Punho de Ferro, uma linhagem de guerreiros com poderes especiais destinados a impedir que a passagem da cidade sagrada fosse violada pela invasão de uma grande organização criminosa chamada Tentáculo.

O seriado veiculado pela Netflix inicia com o herói buscando o reencontro com seu passado. Ingênuo, vai tentando entrar nos lugares familiares, mas que hoje se revelam hostis. A princípio a hostilidade é porque o mundo o esqueceu. Depois descobre que o mundo não apenas o esqueceu, como forjou sua morte.  

Rand utiliza o poder do Punho de Ferro (propriedade espiritual do povoado de K'un-Lun) para, em vez de salvar aquele povo, reconstituir a paz com o que sobrou de sua família. Sua escolha é de tal modo comprometedora que, ao final descobrimos, sua ausência no povoado significou a morte deste. Imaginava estar exercendo a verdadeira função do Punho de Ferro, destruindo os planos do Tentáculo, justificando o que na verdade consistia a busca de preencher seu próprio vazio. Contudo, não esperava que o Tentáculo tivesse ubiqüidade tão grande no mundo, ao ponto de uma mão estar aqui - ele a combatê-la - e outra estar, lá distante, esmagando K'un-Lun. 

O principal conflito do herói resgata o dilema maior das mentes ocidentais: (1) esforçar-se por dar paz à família ou (2) sacrificar tudo em nome da vida de uma tradição espiritual. Mais do que isso, há o choque de duas visões de salvação aqui: uma que prega ser a família o caminho que conduz o homem a sua inteireza e ao seu exercício da vontade de Deus (o judaísmo, o cristianismo para os leigos); outra que diz ser o apego o pior dos males, e que mais válido é buscar sua luz na prática de exercícios espirituais junto ao isolamento sagrado de uma comunidade que partilha a mesma busca (o cristianismo e o budismo de monastério). 

O que deixa uma brecha para a reconciliação destas duas visões de salvação na história é que o menino branco fora profetizado. As profecias não se enganam. Quando muito, elas fazem cumprir o prometido de forma incompreensível para as mentes cotidianas. K'un-Lun foi destruída? Como se pode destruir uma cidade espiritual? Mais fácil ela ter encontrado seu verdadeiro lugar no cosmos multidimensional. Daniel Rand derrotará o Tentáculo? Estamos torcendo. Nada impede que se dedicar ao amor apego pelos seres humanos particulares possa acontecer conjuntamente à busca de concretizar nossos maiores deveres espirituais para com as tradições que nos dão nortes. Pelo contrário, a missão fica mais difícil, mais grandiosa, mais arrebatadora. É o símbolo de Cristo crucificado por muito ter amado os que o crucificaram. 

terça-feira, 11 de abril de 2017

"Você partiu meu coração": uma análise espírita



O refrão dessa música muito me chamou a atenção. O eu lírico escreve um poema para anunciar seu amor quebrado, o que deveria lhe fazer amputado, sem vida, mas induz-nos a pensar que está ainda melhor porque agora haverá amoreS. 

A primeira contradição, a mais evidente, é que ele se dedica ao anúncio de sua empreitada dom-juanica*. Essa revelação possui um destinatário bem claro: seu amor antigo, e antes único. Por que simplesmente não segue adiante? Por que tem de voltar para anunciar sua boa vida?

A segunda contradição, mais sutil, é que ele, quebrado, entrega seu coração a várias. O que significa - essa é a maior mensagem de amor que uma amante poderia ouvir - que o coração dele, o inteiro!, não será mais de ninguém. 

A particularidade do amor de Dom Juan é exatamente esta: amando a todas, ainda que intenso, ganha-se em extensão o que perde em profundidade. O ser humano, esse ser de camadas, em suas relações, permite o mergulho nelas. Eu me aprofundo em você, você, em mim. A tentativa de um Espírito mergulhar na densidade de vários tende a dois destinos possíveis: 1. raspar o amor na fugacidade do tempo; 2. dissolver-se em muitos amores antes de ultrapassar a resistência de qualquer tesouro mais íntimo. 

Talvez os dom juans vão me contra-argumentar e dizer que é só "pegação". Não há muito o que filosofar. Pode ser para você, não para o eu lírico dessa canção. O clipe deixa ainda mais explícito seus gemidos de vontade de retorno quando ela dá algum "pedacim" de possibilidade. 

Vocês vão me perdoar a insistência, mas de fato, se ascendermos do particularismo terreno dessa experiência malograda, e elevarmos a metáfora do coração partido para um nível metafísico, o amor despedaçado, multipartido, busca o retorno à sua inteireza na vivência de uma amor único que dê sentido para sua unidade de novo. Ele é um peregrino entre amores pequenos, que lhe façam sombra, que lhe dêem abrigo. Mas, é peregrino. Sua busca é pelo Amor que o acolhe, enfim, em que possa se deitar para sempre

Se o para-sempre dos amores humanos está sujeito ao tédio e, portanto, ao pêndulo dos relacionamentos que vão e voltam, nada impede de intuirmos um amor maior que é procurado como modelo que concede sentidos e desejos para nossa alma sedenta. É esse modelo de amor que vem conduzindo os amantes de todos os tempos a quererem sempre e cada vez mais amar. Ele é o motivo das nossas descrições de paraíso, ao menos no universo cristão.