quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Filhotes de Deus



Complementando o post passado em que falei sobre nossa potência divina, atualizada no caminhar da existência, pensei que a metáfora do filhote de Deus seria ilustrativa. Deem-me licença para a antropomorfização didática. 

Em toda a natureza o semelhante gera o semelhante. Partículas infinitesimais se partem em outras. Pedras enormes viram cascalho, pequenas pedras. Plantas brotam seus rebentos. No reino animal, cada espécie gera sua continuação. 

A visão espírita do espírito é algo complexo. Cheira a alquimia e ocultismo, mas está lá em O Livro dos Espíritos para quem quiser ler. Disseram as Comunicações a Kardec, que Deus gera matéria e espírito. Aquela sendo o arcabouço para o desenvolvimento deste, até que este alcance a perfeição. O espírito nasce pobre e ascende resistindo aos vários estágios que a matéria oferece. Dessa forma, temos espíritos desde o reino mineral até o homem. Do homem mais selvagem ao mais civilizado. Do mais inocente ao mais cruel. A vida cósmica gira em torno de fazer crescer o espírito, fazê-lo florescer e frutificar.  

O que flerta com a filosofia alquímica é a história de transformar qualquer metal fosco no ouro do espírito. Para o Espiritismo seria transformar o espírito mais simples no Espírito mais complexo, ao qual poderíamos chamar de deus. Todo politeísmo é uma manifestação primordial dessa realidade espiritual de que o universo é habitado por infinitos deuses. Os panteísmos guardam essa certeza que cada elemento do universo traz a divindade em si. 

O espírito é o filhote de Deus. Como um pai - imagem que tomamos emprestado das palavras de Jesus - Deus cria (no sentido paterno-materno do termo) seus filhos. Ensina-lhes a caçar o próprio alimento e sobreviver no mundo. O intuito é entregar-lhes para si mesmos. 

Essa visão não é isenta de obstáculos filosóficos. Como um filhote de Deus pode carregar o mal em si, produzir o mal? Não falo do mal como má interpretação das nossas opiniões, mas o mal ativo, cruel, que excede os limites da necessidade. Não é apenas matar algo para se alimentar e sobreviver numa justa cadeia natural, mas dizimar uma espécie inteira - por diversão. Não é prender o inimigo de guerra, ou matá-lo antes que ele nos mate, mas torturá-lo mesmo que já se tenha chegado à certeza de que não se terá mais nada com qualquer dor adicional. Como o livre-arbítrio, dádiva de Deus aos seus filhotes, pode ir até o ponto de ameaçar a existência da própria criação? Como pode haver a possibilidade de excesso em um universo criado pelo Todo Justo? 

A filosofia atéia pega o caminho mais fácil e diz que Deus é desculpável por tudo isso pelo fato de não existir. Várias escolas filosóficas contemporâneas nos dizem que tudo o que se aproxima da explicação última é impossível de pensar, mesmo Deus, que não é razoável apenas por ser fora de cogitação. Antes de Deus, o mistério. 

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